O principal ativo de qualquer organização são as suas pessoas. Parece óbvio, é óbvio, mas durante muito tempo não o foi.

Faço parte de uma geração que ainda nasceu e cresceu confusa sobre qual dos dois é mais valioso: o posto de trabalho ou o trabalhador. “Ai não quer? Pois olhe, há mais quem queira!”, fanfarrearam os recrutadores durante umas décadas valentes, confiantes de que o círculo vicioso jamais se inverteria, tal era a aparente impossibilidade técnica da equação oferta e procura do mercado de trabalho mudar.

O fanatismo pela automação e pela escala (anacrónicos face às características naturais das empresas portuguesas) conduziram à quase total desumanização da economia e – surpresa! –, com ela, ao eclipse do nosso valor acrescentado.

Só a aposta no ativo humano permite às organizações dar saltos quânticos, furar a previsibilidade crónica e crescer com solidez. As empresas parecem finalmente ter percebido (ou a isso foram forçadas) esta mensagem e os últimos anos trouxeram a inversão do ónus da conquista para o lado dos recrutadores.

Mais do que a remuneração financeira, que tem que ser a melhor possível, exige-se às organizações que estejam à altura das suas pessoas, que lhes proporcionem um ambiente de trabalho empolgante, que lhes apresentem perspectivas de futuro e progressão, que se antecipem às suas necessidades. A felicidade corporativa é o passaporte para a captação e retenção de talento, com o qual vem a longevidade e produtividade das empresas.

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É justamente no conceito de produtividade que está a chave para este dilema que vai marcar a agenda económica e social dos próximos anos. No mítico sketch dos Gato Fedorento “Trabalhar o trabalho”, Adérito, depois de martelar no teclado, atender ficticiamente o telefone, simular um cálculo na máquina calculadora e referir que chega a lançar faturas do que é faturado e enviar por fax, acaba a confessar ao chefe não fazer ideia de qual é afinal a atividade da empresa onde trabalha há doze anos. Passe o exagero da sátira, a verdade é que falta, às empresas onde há Adéritos, uma definição mais moderna do conceito de produtividade, que certamente não passa pela permanência forçada num escritório para lá do que é necessário ao cumprimento da missão.

Os próximos anos vão trazer uma revolução na organização da força de trabalho, seja pelos modelos de trabalho híbridos, pela semana de quatro dias ou por quaisquer outras dinâmicas que no fundo se resumem a um só ponto: colocar a tónica no conteúdo e não na forma. E não há volta a dar, pois quem se recusar a modernizar o seu modelo será preterido pelos potenciais candidatos em favor de outras organizações.

A fina ironia em tudo isto é que, como quase sempre, a História está do nosso lado, pronta a dar o exemplo. Algumas das organizações com mais sucesso no passado económico português tinham como combustível económico uma política social arrojada e francamente disruptiva para a sua época. Exemplos maiores como a Vista Alegre e a CUF são a prova de que o investimento nas pessoas jamais será um custo.

Tudo isto trará a sindicatos e associações patronais novos desafios, pois também eles estão há décadas viciados num jogo que parte do princípio de que o ativo é o posto de trabalho e não o trabalhador. Nos próximos anos terão que se habituar a uma dança com uma coreografia muito diferente daquela que repetidamente dançaram no último meio século. Também aqui, quem mais depressa se modernizar, melhor se sairá.

O bafiento “Se não quiser vai para a fila do desemprego!” deu lugar ao encorajador “Junta-te à nossa equipa!”. Já ninguém “procura empregado/a”, agora “busca-se talento”. Pese embora com algum contorcionismo por parte dos seus intérpretes, a semântica das organizações já antecipa a revolução em curso. É o começo de uma nova era.

Tiago Quaresma tem 27 anos e é licenciado em Direito. Profissionalmente, é administrador do Grupo Valor do Tempo e Vice-Presidente da AHRESP. É membro dos Global Shapers.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.