Quem utilizar a aerogare das Lajes, a principal porta de entrada e de saída da Terceira, depara-se com um cenário que contradiz a beleza da ilha. De facto, se as instalações reclamam há muito por obras de manutenção, os pombos decidiram dar uma asinha – um eufemismo por motivos higiénicos – na degradação ambiental.

Assim, as palas deixaram de ser um ornamento arquitetónico para se transformarem num enorme pombal. Uma estrutura concebida para permitir amplas vistas do céu e da pista está transformada numa espécie de placard a tender para o opaco devido aos excrementos saídos das cloacas columbinas.

Um cenário pouco agradável, sendo que a situação ainda piora quando os passageiros se veem obrigados a deambular por um piso repleto de marcas cinzento-esbranquiçadas.

Bem pode a diretora da aerogare, Isménia Alves, afirmar que as superfícies envidraçadas são limpas dia sim, dia não. Os pombos não respeitam essa calendarização. Estão ali todos os dias. Aquele é o seu pombal. Não há rede que valha quando a época é de acasalamento.

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Soubessem os pombos ler e até poderiam invocar o precedente norte-americano. Na verdade, décadas de utilização das facilidades concedidas por Portugal na Base das Lajes foram acompanhadas por um nível de poluição – e não apenas sonora – muito mais intenso. Só que os militares dos EUA aprenderam a ser mais cuidadosos. Se, a princípio, embora tendo perfeito conhecimento de que era proibido usar o DDT em ambientes lacustres, pulverizaram a vila da Praia da Vitória e arredores, a partir de certa altura mudaram de estratégia.

Há alguns anos, numa vila alentejana, um médico ficou incomodado quando passou por um calceteiro e este o saudou chamando-lhe colega. Um incómodo que se desvaneceu quando o calceteiro lhe explicou que, na medicina como na arte de calcetar, a terra se encarrega de tapar os erros cometidos.

É seguro que os militares estadunidenses não tinham conhecimento deste episódio. Porém, a sua estratégia passou por algo semelhante. Decidiram que a melhor forma de resolver o problema era enterrá-lo. Como decorria da experiência acumulada noutras bases, a poluição só existe se os sentidos – sobretudo a visão – a captarem. Por isso, bastava fazer um aterro e encarceravam o problema no subsolo. Que os solos fossem permeáveis e que o lixo soterrado fosse tóxico ficava para mais tarde. Uma realidade que demorou a ser destapada e que, na conjuntura atual, continua a dividir opiniões, tanto no que concerne à dimensão das áreas afetadas pelo lixo enterrado e por derrames acidentais, como pelo processo relativo à descontaminação. Um problema bem mais difícil de solucionar do que a presença dos pombos na aerogare.

Por falar em pombos, um bom serviço seria que um deles assumisse a condição de pombo-correio. Aceitasse deixar, por alguns dias, a aerogare, voasse entre os gabinetes onde se sentam altos funcionários e ilustres técnicos sempre tão atarefados e regressasse aos Açores trazendo no bico o documento da reclassificação da aerogare em aeroporto internacional. Um documento que há muito tarda, apesar do discurso oficial.

Voltando à presença colombina na aerogare, apesar de o arquipélago dever o nome a uma ave, não é aconselhável pedir apoio à águia. Como no caso dos animais selvagens, é altamente provável que a Administração Trump não tivesse dúvidas de que o cianeto, a exemplo do DDT dos meados do século XX,  resolvia a questão.

Professor de Ciência Política