Nos últimos tempos, a profusão de afixos -tech tem povoado as principais notícias no que diz respeito aos mercados de inovação tecnológica, financeiros (fintech), de saúde (healthtech), regulatórios (regtech) e dos oceanos (bluetech) entre tantos outros.

Entre aqueles menos abordados em Portugal consta o Legal Tech. Sim, o setor jurídico prima pelo conservadorismo e tradição, mas não poderá ficar de fora da revolução 4.0. Na verdade, Legal Tech é uma expressão que não me agrada particularmente, porque as ferramentas e mecanismos que têm vindo a ser desenvolvidos não são específicos do Legal, mas antes adaptadas ao Legal.

Quando falamos de Legaltech, podemos estar a falar quer na perspetiva da otimização de processos internos dentro de um escritório de advogados ou de um departamento jurídico, quer na perspetiva do cliente final – novas formas de chegar aos clientes e de lhes responder. Esta é a perspetiva muitas vezes apelidada de client-centric.

No que toca ao primeiro caso, vemos já no mercado nacional serem adotadas ferramentas de e-discovery (organização e investigação documental), por exemplo. Já no que se refere à segunda perspetiva, as ferramentas mais comuns são aquelas de contract lifecycle management ou CLM (gestão da vida de um contrato) e de automação de documentos jurídicos standard. Assim, por exemplo, existem ferramentas que determinam todas as datas importantes na vida de execução do contrato fixando-as automaticamente para o cliente, de forma a que sejam cumpridas todas as suas obrigações atempadamente. No que toca à automação de documentos ou tarefas standard e repetitivas, as ferramentas permitem que o trabalho dos advogados ou juristas seja melhor rentabilizado, reduzindo custos e possibilitando que se concentrem em serviços mais específicos e de verdadeiro valor acrescentado para o cliente.

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Na perspetiva do cliente, existem também sub-ramos do Legaltech como o Legal Design – que transforma documentos ou notificações densas em documentos esquemáticos e de mais fácil compreensão para os destinatários – ou Legal Project Management – que aborda os processos jurídicos como projetos com princípio, meio e fim e permite, não só que o cliente tenha uma visão global da questão, como também reduzir preços.

No entanto, não nos podemos esquecer de que, no fim do dia, quem presta os serviços jurídicos são pessoas. Portanto, a adoção destas ferramentas depende em larga medida não da sua aquisição, mas da sua efetiva utilização dentro das organizações. Só a sua utilização transformará, efetivamente, o mercado português dos serviços jurídicos.

O mercado do Legaltech tem muita expressão nos EUA e no Reino Unido. No nosso mercado, apesar da resistência da Ordem dos Advogados, já temos em Portugal casos que apontam para o futuro. Assim, por exemplo destacamos i) a Nova Advogados, em Guimarães, que desenvolveu uma plataforma tecnológica que permite a automação de documentos standard, como NDAs ou contratos de arrendamento, com a colaboração do cliente, sendo os documentos revistos no final por um advogado; ii) a Legau que facilita o trabalho repetitivo do dia a dia do advogado através de templates de standards de drafting jurídico que libertam tempo dos advogados que assim se podem dedicar a assuntos mais complexos; e iii) a Datalex, um sistema integrado de gestão de sociedades de advogados ou departamentos jurídicos, desde o intake do cliente à faturação.

Voltando ao início, a revolução está a acontecer e certamente o mercado português não ficará de fora, até porque, no fim do dia, será o cliente a exigir a mudança que vê acontecer no mundo.

Raquel Sampaio é Advogada Coordenadora na SRS em Lisboa. Originaria do Porto, a sua carreira abrange já mais de 15 anos, com passagens pela ONU, Moçambique e pelo Governo português. Tem especialização em Direito Público, predominantemente nos setores da Energia, Ambiente e Projetos. Recentemente estudou Inovação na Nova SBE e acompanha de perto a evolução de novas tecnologias, como o Legaltech e Blockchain, assim como novas áreas de regulação como os conteúdos digitais.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.