Devia ter desconfiado das habilitações em “estudos Portugueses” desses meus amigos, depois de vários me terem aconselhado a estudar espanhol e um deles ter chegado a sugerir-me que trouxesse um stock de preservativos, pois “preservativos são proibidos em Portugal” (isto foi em 1999). Uma amiga disse-me que nunca tinha ido a Portugal, só ao Algarve, e que portanto não me podia ajudar.
Cheguei assim a Lisboa à espera que todos os lisboetas me desse as boas vindas aos seus estabelecimentos comerciais. As minhas primeiras visitas a cafés esclareceram-me. A frieza da recepção dava arrepios. Ao começo, era sempre ignorada durante um bom bocado. O senhor rabugento e de bigode atrás do balcão estava a ver televisão e só me dava direito a uma “boa tarde” relutante depois de ter decidido que o programa já não lhe interessava. Despachadas as cerimónias, o empregado punha meu café no balcão já de olho na próxima pessoa que ia tentar ignorar durante o máximo de tempo possível. Nunca me apeteceu pedir mais nada.
Ao olhar à volta, percebi que não era só eu. Toda a gente era acolhida pelas mesmas anti-saudações de temperatura glacial. Nos restaurantes, empregados que deitavam o jantar aos clientes sem mostrar qualquer interesse; nas lojas, empregadas a trocar fofocas entre si, sabendo muito bem que os clientes queriam pagar (os seus salários); no banco, o solitário empregado do balcão, monossilábico, olhos já mortos, a tratar os clientes lentamente e antipaticamente, enquanto a fila gigante da hora do almoço ia exalando um crescendo de queixas suspiradas sobre o hábito do pessoal daquela agência bancária de gozar a hora de almoço precisamente quando toda a gente podia ir ao banco. Eram as indústrias de serviço em Lisboa na idade do gelo.
Estranhei que os outros lisboetas não estranhassem. Quando lhes perguntava, diziam-me: “ah, pois é.. são todos tão antipáticos, não são?”. Mas nunca ninguém parecia tão chocado como eu. Encolhiam os ombros: “Pois, é Lisboa”. Pois. É Lisboa.
Recentemente, porém, algo mudou. Houve uma espécie de degelo da cultura de serviços em Lisboa. Uma grande parte de Lisboa parece, finalmente, entender o que está em casa. A ideia do serviço de qualidade chegou às margens do Tejo. Sorrisos, olás, amabilidade, tudo é agora abundante. Pergunto-me porquê. Será a ameaça constante do Livro de Reclamações? Será que, a pouco e pouco, perceberam que simpatia gera simpatia? A minha teoria é que tudo se deve ao aquecimento global gerado pelos milhares de brasileiros que, em Lisboa, trabalham nos serviços, e que sabem dizer “BOM GEEE-AH!”, com um sorriso, sem esperar que o cliente o diga primeiro. É-me indiferente que os empregados achem ou não que seja um bom dia. Nem quero que realmente gostem de mim… Só quero que finjam que sim enquanto fazemos negócio.
Tradução da autora a partir deste original:
Ice Age Lisbon.
When I announced to work colleagues that I was moving to Portugal, I was told, above all, how friendly, oh, so friendly, the Portuguese people were. I should have doubted the credentials of those colleagues after several of them also told me to brush up on my Spanish and one told me to stock up on condoms, since “condoms are prohibited in Portugal” (this was in 1999). One said that she hadn’t been to Portugal, and only had been to the Algarve, so she wouldn’t be any help, anyway.
I arrived in Lisbon then, expecting all the lovely Lisboetas to greet me warmly to their establishments. My first few trips to the café were enlightening. The coldness of my reception was chilling. At first, I would be ignored, then the gruff, moustachioed man behind the counter would begrudgingly say “boa tarde” once he decided to stop watching the TV. Niceties out of the way, he would plonk my coffee in front of me, already looking towards the next customer he was going to ignore for as long as possible. I didn’t dare ask for a cake.
Looking around, I saw that it was not just me. I saw everyone getting a glacial non-greeting from service staff. Ageing waiters who threw your dinner at you, shop girls chatting with each other at the counter, knowing you were waiting to pay (their wages), a single, dead-eyed, monosyllabic bank teller slowly and grumpily dealing with each customer while the huge lunchtime queue generate a crescendo of under-the-breath complaints that all the staff had gone off to lunch at lunchtime again. It was an arctic winter of Lisbon’s service industries.
Oddly, Lisboetas didn’t seem to mind it. They’d say “oh, yeah, everyone’s so rude, aren’t they?” when I queried it, but their hackles weren’t raised like mine were. They just shrugged and said “that’s Lisbon for you”. Well, that’s Lisbon for you.
But something huge has happened recently, a glacial melt of the Lisboeta service culture. Much of Lisbon seems to have suddenly GOT IT. Good customer service has arrived on the shores of the Tejo. Smiles, hellos and friendliness abound. I wonder why it has changed. Maybe it’s the ever present threat of the complaints’ book. Maybe it is that bit by bit people are realizing that nice generates nice. I think it’s probably the greenhouse effect of the many Brazilians who work in the service industries, who say BOM GEEE-AH! to you with a smile without waiting for you to say it first. I don’t care if they don’t mean it. I don’t want them to actually like me… I just want them to pretend that they do for the duration of our brief interaction.