Macau fervilhou na última semana, em particular para a comunidade portuguesa. O Festival da Lusofonia levou em peso os residentes portugueses ao evento que decorreu em simultâneo com a Feira Internacional de Macau, pretexto para inúmeros representantes de empresas e marcas nacionais marcarem presença no território. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, depois de Pequim, esteve no sábado em Macau, tendo o dia culminado numa recepção à comunidade portuguesa na residência consular.
A FIM encerrou e inaugurou a Feira Internacional da Indústria do Turismo com mais uma extensa comitiva portuguesa. A cada passo era possível tropeçar em representantes portugueses do governo e de diversos sectores.
Mas o grande acontecimento no território foi a inauguração pelo presidente chinês, Xi Jinping, da maior ponte do mundo, Zhuhai a Hong Kong-Zhuhai-Macau que liga não só as três cidades mencionadas como mais nove da província chinesa de Guangdong. A colossal China, que segundo muitas opiniões optimistas em breve será o país do mundo mais poderoso ultrapassando os EUA, protagonizou o maior milagre económico nas ultimas três décadas, mas ainda tem muito a percorrer em termos de direitos humanos, leis e modus operandi.
À primeira vista, a economia e as oportunidades florescem em Macau e a comunidade portuguesa parece de pedra e cal no território, mas se olharmos para trás do cenário a percepção pode ser outra.
Na mesmo noite da recepção do ministro português, Zheng Xiaosong, representante do Governo chinês na ligação entre Pequim e Macau, suicidou-se, aparentemente com um salto do prédio onde residia. No dia seguinte, as notícias são peremptórias ao declararem que Xiaosong sofria de depressão. No entanto, na comunidade portuguesa são cépticos à versão oficial, este tipo de casos têm sido comuns e nas maior parte das vezes revelam-se ajustes de contas por conta de dívidas de jogo ou suicídio para evitar um destino pior – na China as penas de prisão são pesadas, recentemente um membro do governo foi acusado de corrupção e condenado a uma pena de 28 anos. Dois portugueses apanhados com haxixe e erva cumprem uma pena de oito anos. Os casos sucedem-se.
A comunidade portuguesa, pequena e a diminuir, estima-se que o número se situe entre 4 a 5 mil pessoas, é maioritariamente constituída por advogados, professores, engenheiros e jornalistas. Os jornalistas são certamente o maior grupo de profissionais do meio a operar fora de Portugal, o facto tem reflexo no número elevado de publicações em contraste com o reduzido número de leitores em português.
Apesar da sua pujança, a imprensa não pisa o risco. Qualquer jornal em inglês sediado em Hong Kong parece composto por uma redacção de terroristas a escrever comparando com os jornais portugueses. Mas é justificável. A comunidade portuguesa vai perdendo os seus direitos e detém cada vez menos peso em termos de negociação e decisões no território. Na inauguração da ponte esta semana, nenhum jornal português foi convidado a estar presente na cerimónia. O recado está dado.
Para obter o cartão de residente, é necessário oficialmente ter o rendimento mensal mínimo de 15 mil patacas (cerca de 1500 euros), mas na verdade os ordenados abaixo de 20/25 mil patacas constituem o mínimo para deixarem trabalhar no território, mesmo que sejam evocadas outras razões para o pedido não ser aceite. Essa é a razão para quase a totalidade da comunidade portuguesa residente ser constituída por profissionais liberais com um nível económico elevado. Ser despedido, ou por qualquer outro motivo perder o emprego, significa receber o convite para abandonar o território.
Escrevo este texto em Macau, e, se passar no crivo do editor, será publicado na imprensa ainda durante a minha estadia. No regresso, como terei de passar ainda por Shanghai e sou estrangeira, fundadora de um partido de direita a realizar eventos políticos em solo chinês e a escrever estas crónicas, é possível que queiram ter uma conversa comigo. Depois de vislumbrar algumas zonas de cozinha de restaurantes, o sonho hardcore da ASAE, nem quero imaginar uma prisão chinesa. Se não aparecer no Facebook e ninguém souber de mim durante uns tempos, lembrem-se que os detidos na China podem estar em cativeiro até seis meses sem que seja comunicada qualquer informação sobre o seu paradeiro e o Facebook e o Twitter estão interditos. A próxima crónica poderá ser redigida em código morse.
Fundadora do Democracia21