Há 13 anos realizou-se o segundo referendo sobre o aborto. Na altura havia um consenso quase generalizado no discurso entre os que defendiam o “sim” e os que defendiam o “não”: o aborto é indesejável e a sua prática deve ser prevenida e reduzida.

Para os defensores do aborto na altura do referendo era tudo muito simples. “Não vamos liberalizar o aborto, uma vez que somos anti-liberais” e a ideia liberal, ou neo-liberal como costumam referir, é contrária à ideologia da esquerda radical. Isto apesar de ao mesmo tempo defenderem os mesmos valores liberais que consideram inaceitáveis quando argumentavam que “não estamos a obrigar ninguém, cada um faz o que quer”.

Mas diziam ainda: “Vão ser realizadas campanhas massivas de prevenção”; “Vamos ter meios imensos para promover o uso de anti-contraceptivos”; “As mulheres que queiram abortar vão ter apoio médico para as ajudar e para reduzir o seu número”. A mensagem principal dos defensores da liberalização do aborto era que a “saúde dos seres humanos, neste caso das mulheres, é a nossa grande preocupação”.

Após mais de 200 mil abortos, o equivalente à população que nasce em Portugal em 2 anos e meio, vemos como todas aquelas promessas foram atiradas para o lixo, juntamente com os fetos abortados.

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Não houve qualquer tentativa organizada para desaconselhar ou tentar prevenir o aborto, as medidas de prevenção foram “engolidas” por quem as anunciou e o “neo-liberalismo” do aborto tornou-se um facto consumado e, de acordo com os seus defensores anti-liberais, com “muito bons resultados”. Esta foi, no caso do aborto, a política da mentira!

A actual abordagem à eutanásia pelos seus defensores é a mesma política da mentira que foi seguida para o aborto.

Tal como antes, o discurso apresenta tudo como perfeito, sem máculas e sem dúvidas, só certezas, para garantir a aprovação da eutanásia. Depois, caso seja aprovada, virão as consequências. Mas nessa altura já ninguém se lembrará, como também hoje nenhum dos que pugnaram pela liberalização do aborto se lembram.

O discurso é o da “morte com humanidade” para pessoas em “estado terminal”, com pouco tempo de vida ou em “sofrimento psicológico”. Mas o que é estar em estado terminal ou ter pouco tempo de vida? Os médicos não o conseguem saber com precisão, mas os defensores da eutanásia não têm dúvidas a este respeito. E ainda menos dúvidas têm perante questões psicológicas em que a ignorância sobre o cérebro humano é quase total e por isso a psicologia está muito longe de ser uma ciência exacta.

Os seus defensores garantem sempre a “audição de profissionais de saúde do melhor que há e uma comissão de gente muito responsável, com juristas e especialistas” que vai garantir, podemos ficar descansados, “que não haverá mortes desnecessárias”, apenas as que são “adequadas”. Este sistema nacional de saúde “adequado” dos defensores da eutanásia é o mesmo que não é capaz de garantir cuidados paliativos a 90% das pessoas que deles necessitam e deixa acumular listas de espera para cirurgias e tratamentos urgentes. Mas médicos “adequados” para matar doentes não faltarão.

O argumento mais hipócrita, contudo, é o “neo-liberal”, que diz que “não estamos a obrigar ninguém, e a comunidade ou o Estado não podem intervir nas decisões e na vida pessoal de cada um”. Os mesmos que o dizem são os que querem que o Estado obrigue as pessoas a tudo, desde a maternidade em que nascem até à escola onde aprendem e ao hospital onde deverão morrer por eutanásia. São os mesmos que proíbem armas porque são perigosas e touradas porque ferem os animais, mas legalizam a morte encomendada como quem anuncia a vinda da Telepizza.

O discurso da morte é também o da suposta “generosidade”, em que “apenas se pretende ajudar as pessoas que o peçam”. As pessoas que o vão pedir estão à beira do desespero, numa completa solidão, sofrendo de uma sensação de inutilidade e de vazio, agravadas pela perspectiva do fim da vida. Os defensores da eutanásia afirmam que são estes que estão em perfeito estado mental para pedir que as matem. Em breve, como acontece na Bélgica e Holanda, serão os pais das crianças a pedir que as matem, e como acontece na Holanda com os dementes, serão mortos mesmo que não o queiram.

Esta argumentação da mentira é reforçada quando dizem que “apenas se pretende despenalizar a eutanásia, nada mais do que isto”, quando os projectos legislativos em discussão não visam despenalizar, o que visam é legalizar a eutanásia para pessoas “inaptas”, deficientes ou abandonadas ao desespero, que se sentem um fardo para os outros porque perderam a sua autonomia e porque ninguém delas quer saber.

A política da mentira usa como primeiro passo tentar evitar que haja muita discussão pública e que seja limitada aos “profissionais da opinião”, designadamente os que defendem a eutanásia, para não confundir as pessoas.

Depois, caso isto não seja possível, tenta esconder o que se passa em países como Holanda e Bélgica, porque isso pode afectar o raciocínio dos “ignorantes”. Isto é a mesma táctica dos que esconderam as mulheres que, na televisão, diziam orgulhosamente já ter feito meia dúzia de abortos.

Por fim, a táctica a aplicar é usar o argumento de que a decisão cabe aos “legítimos” representantes da população que estão na Assembleia da República, aqueles que sobre o assunto nada disseram antes das eleições e que dele percebem tanto como o cidadão comum.

A política da mentira é que onde antes estava a “preocupação com a saúde das pessoas”, agora está apenas a “preocupação com as pessoas”, pois defendem que se lhes “trate” da saúde. A suposta “preocupação com a saúde das mulheres” dos defensores do aborto transformou-se na “preocupação para que as mulheres não precisem de saúde” dos defensores da eutanásia.

Os mesmos que na altura se diziam muito preocupados com o número de abortos praticados em Portugal, apesar de não o conhecerem uma vez que era clandestino, são os que agora vêm falar de “humanismo na morte”, atingindo desta forma o pináculo do relativismo moral. Nunca a morte de alguém foi tão despudoradamente relativizada.

A mesma prática dos defensores do aborto, que mentiram quando disseram que não o iam liberalizar, atinge agora o cúmulo da hipocrisia quando afirmam que a eutanásia é um assunto que deve ser discutido de uma forma civilizada e séria. Mas sabemos da liberalização do aborto que esta forma “civilizada e séria” é apenas um código para uma política da mentira que não implica a verdade na discussão.

O texto reflecte apenas a perspectiva do autor