Esta semana há um feriado e a quase totalidade dos portugueses aprecia-o porque pode fazer o que bem lhe apetecer. E por isso todos concordam em manter o dia como feriado, mesmo que nem saibam muito bem qual é a razão para tal.

Independentemente de quase todos gostarmos de um dia feriado (há quem trabalhe nesses dias), o seu estabelecimento destina-se normalmente a comemorar ou homenagear algum facto que é consensualmente reconhecido como sendo historicamente importante e benéfico para Portugal, sendo por isso um factor de união entre os portugueses.

Um exemplo de data que se enquadraria nesta definição seria a fundação da nacionalidade e a independência de Portugal que deu origem a quase 900 anos de História. No entanto, em Portugal não há um feriado por esse motivo.

Mas há um feriado que não se enquadra naquela definição: o 5 de Outubro. Qual a razão para comemoramos o 5 de Outubro, como acontece esta semana? Uma busca no Google “esclarece” que “A partir de 5 de outubro de 1910, Portugal deixou de ser uma monarquia e passou a ser uma república. Celebra-se assim o dia da Implantação da República. Ou seja, deixou de haver monarcas a governar o país, mudou-se a bandeira, o hino e o regime político.”

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E porque havemos nós de celebrar a implantação da república? Porque deixou de haver “monarcas a governar o país”? Em 1910 os monarcas não governavam o país, pelo que o Google, que repete o que os livros de história ensinam aos alunos portugueses, induz em erro. Na verdade, o que deixou de haver foi um monarca a representar o país para haver outra pessoa a quem se decidiu chamar presidente, como os que encabeçam as colectividades.

É esse um motivo de celebração e factor de união entre os portugueses? Na realidade, não. O 5 de Outubro de 1910 foi um grande factor de desunião entre os portugueses. Separou famílias, dividiu comunidades, pôs Lisboa em sobressalto permanente durante vários anos e fez correr muito sangue pelas ruas.

Como foi um acontecimento local, também dividiu Lisboa do resto do país. É verdade que., como relatou Vasco Pulido Valente, o resto do país que critica a macrocefalia de Lisboa aceitou acriticamente as notícias que recebeu por telégrafo. Os representantes do resto do país no parlamento mudaram-se de monárquicos para republicanos nesse mesmo dia e continuaram a sua vidinha de sempre.

Mesmo assim é quase um mistério celebrar-se um motivo de divisão entre os portugueses. Poderá então pensar-se que, mesmo tendo provocado divisão, o 5 de Outubro de 1910 trouxe coisas muito boas ao país e que os que não concordaram viriam posteriormente a perceber as vantagens da mudança verificada naquela data. Terá sido assim?

Se virmos os factos, concluímos que não. A república trouxe a liberdade? Não, o 5 de Outubro de 1910 marcou o início de um período em que as liberdades essenciais foram colocadas em perigo e criou as condições para que o Estado Novo fosse aceite e perdurasse por 42 anos. Após 1910, os republicanos armaram milícias trauliteiras para calar quem criticava, atacar e fechar jornais, proibir a livre associação, reprimir manifestações, promover assassinatos e derramar sangue. O 5 de Outubro é o início de um período em que as liberdades foram diminuídas, pelo que não há qualquer motivo para celebração.

A república trouxe a democracia? Não, “república” não é sinónimo de “democracia”, nem “monarquia” é sinónimo de “ditadura”, como é erradamente transmitido aos alunos portugueses nas escolas geridas pelo Estado e em algumas privadas. Basta pensar nas repúblicas que se autointitulam “democráticas” e que ainda perduram ou no Reino Unido, uma monarquia que é a democracia mais antiga dos tempos modernos. Com a restrição das liberdades em 1910, a democracia foi coartada e foram várias as tentativas de instalar uma ditadura republicana.

A república limitou a liberdade e não trouxe a democracia, mas trouxe o desenvolvimento a Portugal? Também não. Neste gráfico vê-se que após 1910 Portugal se atrasou ainda mais em relação aos países mais desenvolvidos (excepto Reino Unido) e que face aos países vizinhos, Espanha e França, o atraso cresceu mais de 60%. Quase todos eram monarquias, como ainda hoje acontece em países muito mais ricos do que Portugal como Noruega, Suécia, Dinamarca, Bélgica ou Holanda. Pior ainda, a república colocou Portugal em bancarrota e foi para salvar o país desta irresponsabilidade que Salazar foi “chamado” de Coimbra.

Um outro argumento é que o 5 de Outubro trouxe uma tentativa de imitação das leis francesas para afastar a igreja do poder e tornar Portugal um país laico. Isso não é verdade porque em Portugal havia eleições livres antes de 1910 e a igreja não governava o país. Mais, Portugal não é um país laico como França, e como os anticlericais desejam, mas um estado não confessional.

A razão para afastar a igreja é que estava muito presente no ensino e era vista como um entrave à imposição da ideologia republicana. O 5 de Outubro de 1910 foi usado para tentar afastar a igreja do sistema educativo, e para isso não se hesitou em fechar colégios e deixar crianças sem acesso à aprendizagem, num retrocesso civilizacional que apenas o fanatismo cego que liderou o processo pode explicar.

Para isso os republicanos não hesitaram em imitar o Marquês de Pombal, o maior déspota da História de Portugal – e que era por eles muito elogiado – e fazer um ataque frontal à igreja católica. E, dentro desta, aos que mais odiavam porque lhes faziam frente, os sectores da Igreja mais evoluídos cientificamente como os Jesuítas, que humilharam publicamente antes de os expulsar (publicando fotografias em que lhes era medido o cérebro para uma avaliação pretensamente científica do seu carácter perverso).

Não deixa de ser revelador que apesar das premonições de radicais como Afonso Costa de que a igreja acabaria em duas gerações, tenhamos tido em 2023, passados mais de 100 anos, um evento como as Jornadas Mundiais da Juventude, que é incomparável com qualquer manifestação republicana que alguma vez ocorreu e que foi obra da uma Igreja Católica que nega tudo o que o 5 de Outubro representa: o republicanismo, o socialismo e a laicidade.

Há ainda quem argumente que a república trouxe a mudança de um Rei para um presidente e que só por isso vale a pena celebrar, pois nem todos se identificam com a monarquia. A monarquia e a igreja representam a própria origem do país e constituem uma tradição histórica e cultural e um factor de união porque não podem ser dissociadas da própria ideia da fundação de Portugal. ´

Os que não valorizam Portugal ou querem mesmo subordinar a ideia de um país soberano à pertença a organizações internacionais preferem um presidente eleito por ser mais moldável para esses fins. Mas o presidente continua a representar uma divisão entre os que votam nele e os que o recusam, os que o aceitam relutantemente e os que nem se dão ao incómodo de manifestar a sua preferência.

Por isso os que defendem o presidente estão também a afirmar que não se importam de provocar a divisão do país, e querem impor a sua vontade, à força se for preciso, como fizeram antes e após 1910. O facto de um assassino como Buíça estar no Panteão Nacional (percebo que descendentes de Eça de Queiroz não queiram a transladação do seu corpo) ou a criação de um museu da presidência da república num palácio real que está vedado a chefes de Estado monárquicos são sintomas da divisão que se quer provocar.

Na verdade, este é o único e verdadeiro motivo pelo qual é celebrado o 5 de Outubro de 1910 em Portugal. Apesar da diminuição da liberdade, da limitação da democracia, do atraso no nível de vida e do retrocesso educativo que resultaram da república, há um grupo de pessoas que quer impor a sua propaganda e quer “apagar” o que os outros pensam.

É precisamente pela razão que se comemora o 5 de Outubro que o dia não deveria ser celebrado. Ao ser uma imposição forçada que visa dividir, o 5 de Outubro de 1910 não é consensualmente reconhecido como sendo historicamente benéfico para Portugal e não é um factor de união entre os portugueses, pelo que não merece ser celebrado.