A democratização do acesso ao ensino e a chamada escola de massas que, em si, são um fenómeno positivo nas sociedades hodiernas, colocam novos desafios à escola estatal e, não raro, têm contribuído para exaurir e abalar a autoridade, estatuto, respeito e imagem social do seu Corpo Docente.

Na comunicação social surgem cada vez mais notícias de agressões, por parte de algumas famílias, a professores. Também ao Gabinete Jurídico da Pró-Ordem dos Professores chegam pedidos de ajuda técnico jurídica por parte de docentes que, estando dentro da sua escola, veem a respetiva sala de aula invadida por ditos familiares de alunos, numa atitude de desafio, humilhação e de assédio moral. A frequência com que este tipo de situações vem ocorrendo não pode deixar de gerar um profundo mal-estar em toda a Profissão Docente. A indisciplina, particularmente de alunos adolescentes, e o facto de termos atualmente um corpo docente significativamente envelhecido, potenciam e agravam muitas situações de “burnout” que estão a fazer aumentar o número de baixas por doença prolongada.

À falta de respeito pelo múnus dos professores na sala de aula e no respetivo processo de ensino aprendizagem, junta-se a permanente instabilidade no regime legal dos concursos para a docência – alimentada por sucessivos governos – e, acresce, praticamente uma dezena de anos sem direito a progressão na carreira, por força do período de “congelamento” do tempo de serviço, que se iniciou ainda antes do período da Troika.

Devido ao facto de a docência ser uma profissão de caráter eminentemente ético, na qual a dimensão deontológica da praxis pedagógica assume aspeto relevante, muitos professores ao longo dos anos têm colocado a hipótese da criação de uma Ordem dos Professores. Neste setor da classe, existe o entendimento de que só uma Ordem profissional (a exemplo do que tem vindo a suceder nos últimos anos com os psicólogos, arquitetos, economistas, biólogos, engenheiros técnicos, nutricionistas, contabilistas – e, mais recentemente, com os enfermeiros) e não o Ministério da Educação, poderá vir a dar resposta cabal às especificidades da Profissão Docente.

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Nessa perspetiva, há alguns anos atrás foram apresentadas petições à Assembleia da República no sentido da criação da Ordem dos Professores, mas, as mesmas, depois de devidamente tramitadas de acordo com os procedimentos legais e regimentais, não lograram obter deliberação favorável. É certo que, durante muito tempo após o 25 de abril de 1974, ainda havia quem conotasse as ordens profissionais com o deposto Estado Novo, dotado de uma Câmara Corporativa, e esse facto não terá, então, ajudado ao respetivo voto favorável. Porém, a atual Constituição da República (no seu art. 267º) prevê expressamente a existência de ordens profissionais que designa por “associações públicas”, conquanto estas não exerçam “funções próprias das associações sindicais”.

Esta possível confusão entre atribuições e competências, ou seja, entre aquilo que é escopo de uma ordem profissional e o que está constitucionalmente reservado aos sindicatos (v. g. “exercer o direito de contratação coletiva” – nº 3, do art. 56º da CRP – para “a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores” – nº 1, do mesmo artigo) parece levar alguns dirigentes sindicais docentes a “recearem” a formação da Ordem dos Professores. Salvo melhor opinião, essa mundividência parece-me infundada, pois, a avaliar, por exemplo, pelo caso dos médicos e dos enfermeiros, aquilo que se tem verificado é uma grande convergência na ação entre as respetivas ordens e sindicatos. Pois, não sendo competência das ordens a entrega de pré-avisos de greve, temos visto, repetidas vezes, os bastonários com intervenções públicas bastante politizadas e, se não a apelarem à greve, pelo menos a solidarizarem-se com ela.

No caso dos Professores, há quem considere que não há necessidade de uma Ordem, na medida em que, tradicionalmente, as suas organizações sindicais sempre apresentaram preocupações de caráter ético, deontológico e de profissionalidade, tendo até oferecido primeiramente jornadas pedagógicas e ações de formação contínua, mesmo quando esta não era obrigatória, nem financiada por fundos europeus. Seja como for, sendo certo que os professores têm razões para se sentirem atacados, desvalorizados e desrespeitados por sucessivos governos, não é menos certo que esse ataque, ao seu Estatuto Socio Profissional (ECD), só não foi levado às últimas consequências (v. g. no caso do Governo Sócrates/Maria de Lurdes Rodrigues) porque souberam ultrapassar divergências sindicais, então existentes, e foram capazes de coletivamente convergirem no essencial. O que, aliás, também, então, se verificou com movimentos surgidos na blogosfera.

Passada uma dezena de anos sobre essa histórica movimentação, os Professores voltam a sentir a necessidade de saírem à rua em uníssono! Não que o sentimento de revolta seja agora tão grande e tão generalizado como o foi então. Porém, pese embora a disponibilidade dos senhores Secretários de Estado em reunirem amiúde com as organizações sindicais (já que o Sr. Ministro parece ter “desaparecido” das negociações, mesmo se o 1º Ministro delegou recentemente nele receber os sindicatos) as reuniões ou não são formalmente de carater negocial, ou, se o são, não tem sido possível chegar a acordo, v. g. quando as matérias têm incidência financeira ou, nem sequer ainda existiram reuniões formais, como é o caso relativamente a um regime específico de Aposentação.

Nestas circunstâncias, resta aos professores e educadores participarem na Manifestação Nacional do próximo dia 19 em Lisboa, convocada por todos os sindicatos de professores, exceto um. A avaliar pelo elevado número de inscrições nos autocarros que estão a ser alugados por todo o país, será um dia marcante na defesa da Profissão Docente.

Presidente da Pró-Ordem
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.