Num mundo marcado por debates demasiado rápidos e superficiais, é fundamental que pelo menos as mais altas individualidades do Estado tratem os temas com a seriedade e a sensatez que merecem. Nem sempre é fácil resistir à tentação de abordar temas que são mediáticos e que causam discussão. Mas, espera-se mais do Presidente da República.
Países com uma história rica e complexa como o nosso estão frequentemente no centro de debates sobre o seu impacto mundial, sobre o desenvolvimento que trouxeram à humanidade e agora sobre possíveis reparações históricas. No entanto, neste caso não faz qualquer sentido falar-se de reparação histórica e o Presidente da República sabe bem disso.
Deveríamos nós exigir reparação pelas invasões francesas do Séc. XIX? Pelas cartas de corso inglesas, que tantas vidas ceifaram e prejudicaram o comércio português nos Séc. XVII e XVIII? E aos espanhóis, que nos ocuparam durante 60 anos, o que deveríamos exigir? Os árabes e berberes do Norte de África invadiram a Península Ibérica em 711 e saíram do território português com a conquista do Algarve em 1249. Temos o direito de pedir reparação por 538 anos de subjugação, escravização e de imposição da sua cultura? Durante anos, estes povos atacaram território português, mataram e sequestraram portugueses, fazendo deles escravos. Que reparação há a pedir? E aos Romanos? Que durante 700 anos impuseram aos povos ibéricos a sua língua e a sua religião, faz sentido pedir reparação?
Quando se fala de reparação por causa da escravatura no Brasil, aí então o tema ainda faz menos sentido, pois a escravatura continuou no Brasil após a independência. Os comerciantes ficaram lá e continuaram a fazer o seu comércio até 1888, 66 anos após a independência. Em Portugal o comércio de escravos já tinha sido proibido em 1836.
Marcelo Rebelo de Sousa é uma pessoa culta e instruída, sabe que a conversa da reparação é só isso, conversa.
A recomendação que lhe deixo, em vez de promover temas fraturantes e sem sentido, é enfrentar o seu principal problema de frente. Ele que sempre se procurou diferenciar pela proximidade às pessoas, devia ser o motor da transparência no seu caso. Se continua a haver dúvidas sobre a sua conduta relativamente ao alegado favorecimento de duas crianças brasileiras, Marcelo Rebelo de Sousa apenas tem uma saída, a frontalidade e a transparência. Como Presidente da República devia comparecer perante todas as entidades que necessitem de esclarecimentos e expor claramente todos os factos. Se não agir desta forma, o problema vai continuar a existir, independentemente dos temas fraturantes que ele venha a promover.
Apenas assim poderá o Presidente da República concentrar-se naquilo que é mais relevante para os portugueses, o Futuro e o desenvolvimento do país.