Ainda que em outubro possa ter passado despercebido, nos últimos dias tem sido amplamente noticiada a retirada de smartwatches da gigante Apple do mercado norte-americano. Pensando certamente em quem tivesse intenções de oferecer um destes dispositivos durante a época festiva, a Apple alertou atempadamente sobre os produtos em questão: os últimos modelos da Apple Watch Series 9 e Apple Watch Ultra 2.
Em causa está a alegada apropriação pela Apple de uma tecnologia protegida em território americano, cujos direitos de propriedade industrial pertencem à Masimo. Fundada em 1989 como uma startup de garagem, a Masimo desenvolve e produz uma vasta gama de dispositivos de aplicação médica, incluindo soluções de monitorização não invasiva de pacientes, estando estas soluções amplamente implementadas nos hospitais norte-americanos.
Com uma tão longa jornada de atividade, não é de admirar que a tecnologia desenvolvida na Masimo tenha visto a sua propriedade industrial evoluir no sentido de um forte enriquecimento. Por outras palavras, ninguém se admirará ao constatar que a Masimo é hoje titular de centenas de famílias de patentes, estando a aguardar decisão de exame relativa a vários outros pedidos de patente.
Uma patente de invenção só assim pode ser chamada após a sua concessão por um Instituto de Patentes. Até lá, trata-se de um pedido de patente que é submetido a um longo percurso de pesquisa ao estado da técnica e exame. A titularidade de uma patente de invenção confere ao seu detentor o direito de exclusividade de operação da tecnologia protegida num território em que essa proteção é válida e por um período máximo de vinte anos. Durante estes vinte anos, e para que o direito à exclusividade se mantenha, o seu titular tem de proceder ao pagamento de taxas ao respetivo instituto de patentes do tal território.
A título de exemplo, as taxas para manter válida uma patente norte-amercicana são muito mais altas do que as suas congéneres portuguesas, no entanto, têm um denominador comum: aumentam com o passar do tempo. Este aumento das taxas com a idade da patente não deixa de ter lógica. É expectável que uma tecnologia patenteada traga dividendos suficientes ao seu titular para que este recupere o seu investimento e desejavelmente o supere largamente.
A tecnologia objeto da suposta infração por parte da Apple está relacionada com um sensor dos níveis de oxigénio no sangue do utilizador do smartwatch. Através de radiação específica emitida transversalmente ao pulso do utilizador, a concentração de oxigénio no sangue vai provocar uma reflexão dessa radiação incidente que permite determinar a percentagem de oxigénio nos glóbulos vermelhos.
Há precisamente um ano, em dezembro de 2022, a Masimo realizou testes comparativos do desempenho desta característica entre o seu Masimo Watch W1 e o Apple Watch Series 7, avô do atualmente tão falado Apple Watch Series 9, mostrando como a sua versão da tecnologia era, até então, mais exata do que a da Apple. Podia, então, concluir-se que o Apple Watch Series 7 não estaria a copiar tecnologia protegida da Masimo para medir o nível de oxigenação do sangue, uma vez que o estudo comparativo mostrou claras diferenças de desempenho entre os dois relógios.
Porém, se for verdade que a Apple infringiu a patente em causa com o seu Apple Watch Series 9, estas diferenças estarão ausentes num hipotético estudo comparativo, ou seja, o Apple já será capaz de medir a saturação de oxigénio no sangue do paciente com tanta exatidão quanto o W1 da Masimo.
Já em Portugal, não precisamos de correr às grandes superfícies (ou para o computador) com o intuito de comprar o Apple Watch Series 9 antes que seja retirado do mercado, uma vez que a Masimo não validou a sua patente no nosso país. Assim, o mercado está livre para a Apple ou para outro possível interessado copiar a tecnologia.
É importante destacar que a proteção geográfica limitada de uma patente poderá ter consequências para a empresa detentora. Essa limitação concede exclusividade apenas nos locais onde a patente é válida, aumentando o risco de concorrência direta, a perda de oportunidades de mercado e, em última instância, poderá afetar negativamente a reputação e credibilidade de uma empresa.