A desigualdade de tratamento fiscal entre o Estado e os cidadãos, a injustiça de um poder forte com os fracos e fraco com os fortes, a forma prepotente da máquina tributária tratar os contribuintes como culpados, obrigando-os a fazer prova da sua inocência, e o Estado mau pagador são episódios que fazem, ou fizeram, parte da vida da maioria dos portugueses e que periodicamente a imprensa vai dando nota.
Podíamos esperar que, de tanto falar na proximidade do poder autárquico aos cidadãos, Fernando Medina desenvolvesse uma governação diferente, caracterizada pela igualdade de tratamento entre as partes, pela liberdade de viver numa autarquia que não nos taxa de cada vez que respiramos e pelo gesto fraterno de sermos ressarcidos e indemnizados dos actos de cobrança indevida e leviana?
Poder… podíamos, mas não era socialismo. Como pode a esquerda resistir à tentação de extorquir milhões de euros aos indivíduos, famílias e empresas proprietários de imóveis? Medina é um bom socialista e não desilude. Ao mesmo tempo que afirma que a CML goza de boa situação económica, não se coíbe de nos aliviar do fruto do nosso trabalho ou poupança. Está-lhe no ADN ideológico julgar que o sabe administrar melhor que cada um de nós. Já aqui contei como o CDS se opôs desde o primeiro momento à criação da “Taxa” de Protecção Civil e a teimosia de Medina, mas faltavam os últimos e sintomáticos capítulos deste saque.
Medina tem um modus operandi muito peculiar. Cria um imposto mas chama-lhe taxa. Não lhe importa que os constitucionalistas e toda a oposição o alertem, desde 2015, para a ilegalidade que está a cometer (toda ou quase toda, que aos do Bloco de Esquerda basta acenar com uma prebenda para mudarem velozmente de opinião.)
Declarada a inconstitucionalidade num caso análogo, praticado por outro município, diz que por cá é diferente. Não sabe explicar em quê mas insiste na diferença para continuar a cobrar. E quando o Tribunal Constitucional, finalmente, se pronuncia da mesma forma sobre Lisboa teve de encontrar um esquema para retardar/dificultar a devolução dos 58 milhões de euros cobrados indevidamente durante 3 anos. Um balcão municipal é que era… quiçá com longas filas, carimbos, escrituras e certidões de não dívida à segurança social e finanças.
Suspeito mesmo que o vereador anticapitalista das finanças já tivesse estimado os rácios da não devolução. Perante a contestação generalizada de que se foi fácil cobrar, devolver também tem de ser, alguém lembrou que existem os vales postais, que nibs e transferências bancárias é muito à frente. Genial mas não tanto como o actual capítulo. Não se podem pagar os juros indemnizatórios! Medina até queria, mas não pode. Diz que Lei não o deixa E que lei é essa que não cita? Há presidentes com “azar” e também há limites para se ser dissimulado.
A Câmara que cobrou – com juros cada vez que um proprietário se atrasou no pagamento de uma “taxa” ilegal – é a mesma que recusa aplicar o princípio da igualdade e da reciprocidade. É uma Câmara Municipal que enriquece e se financia com o dinheiro de privados e contra a vontade destes.
O executivo camarário formado pelo PS, independentes e bloquistas gosta de hastear as bandeiras da igualdade, transparência e rigor. Está criada a oportunidade de ouro para passarem do palavreado aos actos.
Deixo uma pequena ajuda para Fernando Medina poder fazer as contas. Os avisos 87/2016 e 130/2017 da Agência de Gestão da Tesouraria da Dívida Pública do Estado fixam a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas para 2016 e 2017 respectivamente. Em 2017 a taxa rondou os 5%. Parece claro o valor final a devolver aos lisboetas. Porém, o autarca joga com o facto de não ser compensador, para a grande maioria dos lesados, recorrer à justiça para reclamar os seus direitos. A litigância terá um custo muito superior ao valor médio a receber.
Os direitos e obrigações não são apenas legítimos dos contribuintes para o Estado. O inverso tem, certamente, maior legitimidade e carga simbólica pelo exemplo que quem nos governa deve dar.
Enquanto Medina não pagar, até ao último cêntimo, o que deve aos lisboetas a CML não é uma entidade de bem, credível e de confiança.
Presidente da Concelhia de Lisboa do CDS e líder de bancada na Assembleia Municipal de Lisboa.