Neste ano de 2024, em que se comemora a data redonda e simbólica dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril de 1974, era expectável que houvesse várias iniciativas a assinalar e a comemorar a efeméride. Só talvez não se esperasse, e foi bom e bonito de se ver, que a Avenida da Liberdade em Lisboa, tal como as praças centrais de tantas cidades e vilas espalhadas por esse Portugal fora, com carros de combate a desfilar nas ruas e exposições organizadas pelas escolas públicas, tenha sido não apenas uma comemoração mais ou menos institucional do dia e do seu significado, mas uma verdadeira festa. Popular e nacional.
As centenas de milhares de pessoas que desfilaram na Avenida da Liberdade fechada ao trânsito e as outras centenas de milhares que, em casa, acompanharam a transmissão pela televisão, são um claro sinal da alegria que foi vivida nas ruas.
As datas nacionais devem ser comemoradas, todas elas. E o 25 de Abril não é de maneira nenhuma das menores porque, independentemente de ideologias e crenças, abriu precisamente espaço a que todas as ideias, pensamentos e dúvidas pudessem e possam ser levadas à rua, pensadas em liberdade e manifestadas por quem assim o entenda. Não há bem mais precioso para um país do que a Liberdade dos seus cidadãos e a Democracia – é o princípio democrático iniciado na Grécia Antiga, limado ao longo dos milénios e que é até hoje um dos maiores atributos das sociedades ocidentais e o de maior longevidade, trouxe esforços e escolhas. E poder escolher significa que podemos ser donos das nossas alegrias. É este o problema insanável das ditaduras, das de ontem como das de hoje: fica-se à mercê da vontade do(s) ditador(es).
Claro que, em 1974 como em 2024, devemos a liberdade sobretudo aos que a defenderam, rejeitando totalitarismos. Devemo-la nomeadamente aos então sociais-democratas, aos democratas-cristãos e aos socialistas que persistiram na Fonte Luminosa – com o discurso decisivo de Mário Soares -, contendo aqueles radicais que hoje têm discípulos e entre pós-modernos não duvidamos apelidar de extremistas.
Também na madrugada de 24 para 25 de abril de 2024, no Largo do Carmo, não foi autorizado pela Câmara Municipal de Lisboa capital um concerto, justificando-o pela ausência de pedido atempado. O que não se compreende é que nos dias maiores nos prendamos aos controlos menores e mais mesquinhos. A festa fez-se na mesma, com cânticos desorganizados, sentidos e um largo cheio e convivial.
Creio que também não é seguindo a caixa de comprimidos “medicamento antifascista/ liberdade” deixada por Bordalo II na sepultura de Oliveira Salazar que estaremos a fazer mais pela democracia, pois entre pessoas civilizadas permanece a noção de respeito pelo descanso dos mortos. O activista do Anti esqueceu-se ele próprio de ser um democrata. É evidente que há, como se viu nas recentes eleições para a Assembleia da República, um número considerável de eleitores descontentes, e porventura com razões para sê-lo, motivados pela percepção de corrupção no Estado. Contudo, e como escapou a Bordalo II, “democrata” é o único adjectivo que interessaria festejar.
Em Portugal, na sua História e tradições longas de reino e república, a liberdade tem o seu lastro marcante e antigo. E, para não recuarmos mais, recordemos os versos 7 e 8 “Pela santa liberdade/ Triunfar ou perecer” de 1846 (letra de Frondosi e Midosi, ainda que com sentido paradoxal, entretanto popularizada por Vitorino. (cf. Maria da Fonte – Vitorino – LETRAS.MUS.BR) referidos e cantados no hino da Maria da Fonte, uma guerreira de outros tempos, em meados do século XIX, tal era a exaltação popular – não do Povo stricto sensu enquanto grupo social das sociedades anteriores ao Constitucionalismo, porém no sentido de população da comunidade colectiva, cuja defesa da liberdade tanto podia ter defensores entre as classes populares como entre a nobreza (liberal).
E para a estupidez mais descarada que grassa, quando porventura nos pergunta como sabemos se não estivemos lá, pode-se lembrar: como conheces o Império Romano? Há espaços icónicos chamados bibliotecas e arquivos que salvam da ignorância.
Parabéns a Portugal e a quem na época apoiou e hoje comemora de forma tão sublime, pacífica e animada o meio século de liberdades políticas e sociais entre nós, sem prisões arbitrárias nem denúncias invejosas e bufas. Dando cabimento a “Esta é a madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo”, limpidamente descrito por Sophia, justamente sabedor(i)a grega.
Viva a festa portuguesa.