O Acordo de Paris, de 2015, sobre alterações climáticas, tem sido, recentemente, objeto de acrescida atenção mediática, na sequência da esperada decisão do Presidente dos EUA de se retirar deste Acordo.

Esta decisão é encarada com preocupação dado que os EUA são o segundo maior emissor de CO2 do planeta (cerca de 15% das emissões globais em 2014) e o não cumprimento dos compromissos assumidos, por este país, poderá colocar em causa os objetivos globais de redução acordados em Paris. Por outro lado, existia o risco de outros países signatários seguirem o mesmo caminho dos EUA. A reação da maior parte dos restantes signatários sobretudo da China (primeiro emissor mundial com cerca de 30% das emissões globais em 2014), Índia e UE parecem afastar este último receio. As recentes conclusões dos G20 vão nesse sentido e isolam diplomaticamente os EUA nesta área.

A questão do cumprimento dos objetivos globais de redução de emissões de CO2 (entre 85 a 90% até 2050, de modo a limitar o aumento global da temperatura a menos de 2 graus Celsius preferencialmente a 1,5 graus C) previstos no Acordo, é mais complexa. De facto, mesmo sem a saída dos EUA, já existia um deficit significativo entre os compromissos de redução assumidos pelos Estados signatários e os esforços realmente necessários para atingir os referidos objetivos.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, se todas as ações de redução, submetidas pelas partes do Acordo de Paris, fossem executadas com sucesso, só seriam obtidas cerca de 50% das reduções necessárias para atingir o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5C. Para atingir os objetivos, assumidos neste Acordo, os Estados apostam em políticas de baixo carbono, que consistem, essencialmente, na promoção da eficiência energética, das energias renováveis, na redução de emissões por parte de instalações industriais e meios de transporte, na melhor gestão dos solos e na redução da destruição das florestas.

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Existe, no entanto, a possibilidade de, através da economia circular, promover uma redução adicional e significativa das emissões de CO2. De acordo com a OCDE, entre 55 a 65% das emissões de CO2 resultam da gestão de materiais incluindo a extração, a produção, o transporte e o tratamento dos resíduos.

O setor dos plásticos é um claro exemplo da relação entre o uso de recursos e as emissões de CO2. De facto, cerca de 90% dos plásticos produzidos utilizam o petróleo como matéria-prima. Os plásticos são, como refere a Fundação Ellen Macarthur, o “cavalo de trabalho” da economia linear graças a uma combinação de características que vão da funcionalidade ao baixo custo.

Atualmente a produção de plásticos representa 6% do consumo de petróleo e 1% das emissões de CO2 mas, a manter-se a tendência dos últimos anos de aumento exponencial da produção, em 2050, pode representar 20% do consumo de petróleo e 15% das emissões de gases com efeito estufa.

A gestão eficiente dos materiais, procurando que o seu valor se mantenha o mais tempo possível, é o objetivo central da economia circular. Se os materiais e os produtos durarem mais tempo reduz-se a necessidade de produzir novos produtos e consequentes impactes resultante do processo produtivo que consiste na extração, transporte e transformação de novos materiais e que implica, geralmente, a transformação do solo, o uso de energia e consequentes emissões de CO2 e outros impactes ambientais negativos.

Por outro lado, o aumento dos níveis de reciclagem significa que as empresas podem utilizar os materiais reciclados (denominados matérias-primas secundárias) para criarem novos produtos sem necessitarem de extrair e transformar matérias-primas virgens igualmente com óbvias vantagens em termos de emissões e de defesa do ambiente.

As vantagens económicas também são muitas dado que o recurso a materiais reciclados como matéria-prima implica, normalmente, menos consumo de energia ( por exemplo, a reciclagem de metais permite poupar entre 70 a 90% de energia). Para os países que não disponham de reservas significativas de recursos naturais (como Portugal) a aposta na reciclagem é uma forma de substituir importações, de desenvolver um sector económico ligado à reciclagem e de tornar mais resiliente a respetiva economia.

As estratégias de transição para uma economia circular implicam, tal como as políticas de baixo carbono, o recurso à eficiência energética, às energias renováveis e uma melhor gestão dos solos mas vão mais além. A economia circular aposta em políticas de gestão mais eficiente dos recursos naturais promovendo a extensão do ciclo de vida dos produtos, o reuso, altos níveis de reciclagem, a partilha dos produtos, a utilização do serviço em vez da aquisição do produto.

Existem, também, potenciais conflitos entre estas duas políticas. Por exemplo, deverá incentivar-se a aquisição de equipamentos mais eficientes, do ponto de vista energético, ou a manutenção dos já existentes de modo a evitar o desperdício de materiais e consequentes impactes ambientais negativos resultantes da produção de novos produtos?

A resposta variará em função da análise de ciclo de vida de cada produto mas já foram identificadas situações em que manter o equipamento antigo e menos eficiente, do ponto de vista energético, faz sentido quer do ponto de vista da economia circular quer do ponto de vista das políticas de baixo carbono. Estudos recentes indicam, por exemplo, que prolongar a vida de um computador portátil pode reduzir mais emissões de CO2 do que substitui-lo por um modelo mais eficiente em termos de consumo de energia.

Prolongar o ciclo de vida de um produto não significa, necessariamente, que o proprietário seja “obrigado” a manter o mesmo produto desatualizado, por muitos anos. Existem já empresas que, através da remanufactura e/ou do upgrade, possibilitam a atualização de algum hardware ou software sem necessitar de adquirir um novo produto.

No modelo em que o consumidor adquire o serviço em vez da propriedade do produto é também possível, em alguns casos, incluir a possibilidade de o produto ser atualizado,
pelo vendedor, ao longo do contrato.

A economia circular assume, assim, uma visão mais abrangente dado que permitirá alcançar uma sociedade mais sustentável, mais competitiva e mais resiliente. Ao mesmo tempo poderá ajudar os países a cumprirem as suas obrigações face ao Acordo de Paris ao promover a redução das emissões de CO2 ao longo de toda a cadeia de valor desde a extração das matérias-primas até à gestão dos resíduos.

Paulo Lemos foi secretário de Estado do Ambiente entre 2011 e 2015. Foi conselheiro técnico da Representação Permanente de Portugal junto da UE, responsável pelo acompanhamento dos dossiês ligados às alterações climáticas, qualidade do ar, responsabilidade ambiental, químicos, e organismo geneticamente modificados. Presidiu ao Grupo Ambiente do Conselho durante a Presidência portuguesa da União Europeia em 2007.