Quarta-feira passada foi dia 25 de Novembro. Não foi feriado. Não houve qualquer celebração oficial da data. Mas nem por isso deixaram de passar quarenta e cinco anos sobre um dia decisivo para a história da democracia em Portugal.
Entre 25 de Novembro e o fim de Dezembro de 1975, Portugal mudou de direcção. Após a clara orientação Gonçalvista, e a desorientação da esquerda militar, com o COPCON e a sua instabilidade, transitou-se para a democracia pluralista, com o suporte do Grupo dos Nove e a moderação de António Ramalho Eanes.
Vivemos agora uma grave crise sanitária global, com a pandemia, que nem por isso oblitera a profunda crise de representação política exposta a cada dia no espaço público e também por isso devemos revisitar o Presidente que, cerca de trinta anos após ter deixado de exercer funções, se mantém como um reduto de ética no serviço público.
Ramalho Eanes, desconhecido ainda da maioria dos portugueses nesse dia 25 de Novembro, deu-se a conhecer no momento mais crítico da transição democrática, um ano e meio após a revolução de 25 de Abril, quando o país, cindido, se abeirava da guerra civil. A sul, dominado pela esquerda mais radical, palco de expropriações e ocupações, a norte dominado pela oposição a essa mesma esquerda. Numa altura em que, pelo segundo ano consecutivo o PIB baixara para além dos 4%, o desemprego subira de 0% para 5%, e isto no rescaldo da crise do petróleo e com o país a braços com a desestruturação decorrente da revolução e da descolonização.
Neste período no limite do caos, quando cada facção político-militar procurava afirmar-se como poder detentor do Estado, Ramalho Eanes conseguiu impor-se como negociador e pacificou uma sociedade em combustão com decisões claras e inequívocas. Decisões, e isto é fundamental, estruturais e de longo alcance que encerraram o projecto de sovietização de Portugal, conduziram ao Estado de Direito e à estabilização da democracia que viria a consolidar-se durante a sua presidência. Não por acaso, as primeiras medidas tomadas, logo entre Novembro e Dezembro de 1975, foram a dissolução e desmobilização imediata das unidades do COPCON e do MFA. Ramalho Eanes, um general, fez a transição do militarismo para o civilismo tanto quanto havia desfeito a polarização que pôs o país a ferro e fogo, para além de qualquer metáfora, quando em 1975 explodiam bombas em sedes do PCP e se atirava gás lacrimogénio em manifestações populares.
Ramalho Eanes, com a consciência de que a política é um serviço que se presta à nação e aos outros, em que o bem comum se sobrepõe aos interesses e necessidades individuais, é o oposto do representante ao serviço dos interesses político-partidários, garante e manutenção da sua própria actividade — essa forma de estar na política que mina não só a confiança dos eleitores mas o próprio processo democrático, pois ao esvaziar o conceito de serviço público destituído de um projecto comum, agregador e futurante, permite o reaparecimento da polarização partidária, da demagogia que esta arrasta, e da descredibilização institucional e desconstrução social.
Que o nosso passado não seja o melhor de nós.