O filósofo do séc XVII, Spinoza percebeu a fragilidade das emoções na psicologia política. O medo e a esperança podem ser armas de políticos para mobilização de massas. Através desta dualidade, busca-se reflectir, neste exercício, sobre os seus desdobramentos na actual crise política que Moçambique atravessa.

Em diferentes cantos do globo, temos assistido a regimes autocráticos que vem aprimorando as suas habilidades de repressão a vozes dissidentes desde os líderes aos seus apoiantes, esmagando qualquer possibilidade de contrariedades às suas imposições. É o medo. E a violência espectacular, sem pudor e pública, tem sido uma ferramenta de estimação nestas realidades.

Dependendo do espírito de um tempo e dos seus labirintos, o método pode ser eficaz. Até ao momento em que se vislumbra, ainda que em pequenos e quase imperceptíveis, fleches, algum sinal de luz.

É a esperança. A possibilidade de uma realidade outra é capaz de mobilizar massas em busca do sonho. A promessa de um “depois” risonho, melhor que “agora”, mostra-se eficiente.

Spinoza, na sua Holanda natal, dificilmente poderia imaginar que o Portugal — onde nasceram os seus pais que, por serem judeus, de lá fugiram para escapar à Inquisição — daria origem a outro país, Moçambique, que hoje se torna um palco emblemático da dualidade que ele descreveu. Aqui a FRELIMO, partido que há 49 anos governa o país, enfrenta Venâncio Mondlane, uma figura política que soube capitalizar as fragilidades do partido responsável por fundar a nação tal como a conhecemos desde o simbólico e eterno 25 de Junho de 1975.

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Herdeiro do legado libertador do Movimento de Libertação Nacional do jugo colonial português, o partido FRELIMO, a um ano do jubileu da independência, vê-se de forma inédita contestada por vários segmentos sociais.

Em resposta, o regime recorreu à violência, utilizando as Forças de Defesa e Segurança para lançar gás lacrimogêneo contra um povo de joelhos. Eram cidadãos que ocuparam as ruas para protestar contra o que consideraram ser o possível assassinato de nossa jovem democracia, que mal completou 30 anos.

Como nas expressivas pinturas de Malangatana das décadas 60 e 70 do séc. XX, o que vemos no quadro nacional neste momento é o desespero humano e a luta pela liberdade. Que se configura, a nível intelectual, pelo conflito de narrativas.

Por um lado, o poder vigente e os seus apoiantes tendem a marginalizar a causa da instabilidade que é o resultado eleitoral e limita o seu foco a violência nas manifestações — acusando aos manifestantes –, ignorando que, como está amplamente filmado e divulgado nas redes sociais e na media tradicional, tem como protagonistas a própria polícia.

O cenário recorda, embora possa parecer forçado, personagens de clássicos literários como Nzila em “O Filho da África” do camaronês Mongo Beti ou Suleiman em “A Criança da Noite” da senegalesa Aminata Sow Fall. A similaridade entre ambos é a aparência de vítima em circunstâncias em que bem vistas, não é bem o que transparece.

Noutro extremo da barricada, persiste a percepção de que há uma tentativa de manipulação dos resultados eleitorais e se faz ouvido de mercador a tudo o que vem do “oponente”.

Com efeito, à medida que o tempo passa e os eventos que vão se desenrolando, as partes demonstram uma cada vez menor flexibilidade para um diálogo franco. Embora, igualmente, não me pareça haver um espaço para tal, a menos que se declarem os vencedores do último pleito de forma transparente e justa. E a seguir façamos um Raio X a nossa democracia.

Olhando para as circunstâncias de forma honesta, é difícil, infelizmente, neste momento vislumbrar o desfecho desta contenda que o país atravessa. Mas jogando na especulação há dois cenários possíveis: ou o regime se mantém no poder ou uma nova era se inicia com a liderança de Venâncio Mondlane.

Entretanto, ambos cenários são tenebrosos: à luz do que temos visto, caso a primeira hipótese vingue, é provável que tenhamos, nos próximos anos, uma crise permanente com vários focos de violência em vários cantos do país.

Se for a segunda, talvez vivamos nos próximos anos uma situação de crise permanente em face do poder económico e conhecimento (domínio) da máquina estatal e governativa protagonizada pelos primeiros. Em ambos casos, o desfecho parece pouco animador.

Não obstante, há que se reconhecer um novo tipo de cidadania no país. Para a qual, a bem da nação, é importante que se crie um espaço verdadeiramente democrático de discussão de ideias sem a pretensão de que haja ideias mais certas que as outras.

Todas as verdades são falíveis. E canais de informação coesos e transparentes, sob o risco de tomadas de decisões equivocadas porque conduzidas por favor News. Outrossim é que a capacidade racional de participação política é o antídoto para escaparmos de manipulações emotivas. O que nos faria vencer a dualidade alertada por Spinoza em relação ao medo e à esperança.

Diante da encruzilhada em que Moçambique se encontra, a reflexão sobre a dualidade entre medo e esperança, conforme apontada por Spinoza, revela-se mais atual do que nunca. O medo pode ser usado para subjugar, enquanto a esperança pode ser manipulada para promessas de um futuro incerto. No entanto, cabe à sociedade moçambicana transcender essa polarização emocional, buscando um novo pacto social e político que promova a inclusão, a justiça e a transparência.

A história mostra que as crises podem ser momentos de transformação, mas somente se acompanhadas de uma cidadania informada e ativa, comprometida com os valores democráticos e a construção de um espaço onde o diálogo prevaleça sobre a violência. Moçambique não deve apenas revisitar os fantasmas do passado, mas construir, com coragem e racionalidade, um futuro onde o medo perca seu domínio e a esperança seja fundamentada em ações concretas, e não apenas em discursos vazios.

O desafio, portanto, é não sucumbir à escuridão de narrativas opressivas ou ilusórias, mas iluminar o caminho com a razão e a coragem cívica. Somente assim será possível superar a fragilidade das emoções na psicologia política e criar uma democracia resiliente, à altura das aspirações de um povo que há décadas luta pela sua liberdade.