Em janeiro deste ano, os CTT anunciavam a renovação do acordo com a Agência do Tesouro Português, para a comercialização em exclusivo de Certificados de Aforro e do Tesouro por um novo período de 3 anos, com destaque para o facto de se proporem a digitalizar o processo de abertura de conta. A modernização tecnológica do serviço é um passo incontornável, sendo inadmissível que chegados a 2023 a única forma de abertura de conta no IGCP, se processe através de um balcão dos Correios, por vezes em longas filas, sem qualquer privacidade e/ou condições para o respeito pela Proteção de Dados e confidencialidade.

Mas algo que sempre me intrigou durante o meu percurso no setor financeiro, foi o porquê deste exclusivo dos CTT na comercialização de investimentos em Certificados de Aforro e outras Poupanças equivalentes afetas à divida pública? Não deixa de ser questionável o porquê deste monopólio, porque se até à privatização dos CTT era compreensível, após a privatização deixou de fazer qualquer sentido. Qual o motivo pelo qual, o Estado Português, entrega o exclusivo da comercialização de produtos de aforro de divida pública a uma só entidade privada, muitas vezes mais preocupada em vender raspadinhas ao balcão e a despachar encomendas, do que a prestar um serviço adequado aos aforradores? Torna-se ainda mais incompreensível, sendo o Estado detentor da Caixa Geral de Depósitos, banco público com cobertura em todo o território nacional e quando com certeza, várias entidades bancárias estariam disponíveis a ter o seu quinhão desta atividade, que aliás aporta enormes proveitos às contas dos CTT em forma de comissões pagas pelo IGCP e em sinergias de cross-selling para o Banco dos Correios.

Com a subida acentuada das Taxas Euribor nos últimos meses a ter impacto direto na taxa dos Certificados Aforro (a taxa está fixada em 3,403%) e com os bancos nacionais a demorarem a refletir esta subida nas taxas de Depósito a Prazo, que inexplicavelmente ainda se mantêm quase a 0%, os aforradores mais conservadores não têm outra alternativa que o investimento em Certificados de Aforro e assim em se deslocarem a um balcão dos Correios. Alguns, mais despertos para as novas tecnologias já farão subscrições pelo Aforro Net, mas será residual. Estou certo que os bancos que estão a perder este capital do seu balanço, não desdenhariam ter esta alternativa com rentabilidade para oferecer aos seus clientes, recebendo assim, tal como os CTT, uma comissão do IGCP pela mediação deste investimento. A abertura a todos os bancos nacionais, por parte do Estado Português, desta opção de investimento, não só alargaria exponencialmente o leque de investidores em produtos de aforro de divida pública, como estou certo, teria reflexos substanciais no volume das operações.

E é, ou pelo menos deveria ser do interesse do Tesouro Português, que este investimento se dissemine pelos aforradores, numa primeira instância, numa ótica de financiamento da continuidade da atividade do estado, mas também para que aumente a % de dívida detida por residentes nacionais, permitindo assim uma gestão mais assertiva em períodos de crise.

Em 2011, quando uma espiral de crise de divida pública se abateu sobre os países do Euro, Portugal, foi um dos países mais severamente afetados pela pressão dos credores externos nos mercados internacionais, levando o país a recorrer a ajuda internacional. Ora, essa lição deveria ter sido melhor encaixada pelo Agência do Tesouro, não só pela dor que foi infligida à população, mas principalmente pela imagem caricatural de país de mão estendida, completamente entregue à sorte dos credores externos, que extravasou para o exterior. É crucial compreender os motivos pelos quais, países como a Itália, que com uma divida pública em % do PIB superior à nossa, consegue suster relativamente bem as pressões dos mercados. Isso, deve-se essencialmente ao facto de a generalidade dos credores da dívida italiana serem o seu próprio Banco Central, instituições financeiras e cidadãos nacionais, o que lhes permite gozar de algum fôlego durante os períodos mais conturbados. O Japão, um dos países mais endividados do mundo e que em 2022 viu a sua dívida atingir 226% do PIB, é um exemplo efetivo da importância da nacionalidade dos detentores da dívida, já que cerca de 90% desta é detida por investidores japoneses e pelo seu próprio Banco Central.

É assim crucial para Portugal que o Tesouro abandone a sua política de exclusividade na distribuição dos produtos de aforro do Estado e que aproveite a rede e o desenvolvimento tecnológico dos bancos, para assim democratizar o acesso em condições de qualidade e conforto, aos produtos de dívida do Estado, finando-se este verdadeiro monopólio da poupança.

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