A morte deixou de nos ser familiar. E isso é bom. Significa que tomamos contacto com ela cada vez mais tarde. E, na maioria dos casos, parece existir um “ordem natural das coisas”. Morrem, primeiro, os muito, muito velhos. Depois, os mais velhos. A seguir morreremos nós. E, só muito depois, os nossos filhos. A esperança de vida tornou-se tão mais longa que a morte, pela forma silenciosa como lidamos com ela, se tornou interdita. Ou domesticada.
Por mais que ela inunde, todos os dias, as primeiras páginas dos jornais, por mais que se sucedam as séries em que se fantasia o retorno dos mortos ou quanto mais a morte se exibe nos policiais (e os cadáveres se expõem e se dissecam), parece que a morte, quanto mais se avizinha dos outros, mais se afasta de nós. Quanto mais se ela exibe melhor se esconde.
É claro que ninguém supõe que será imortal. Mas a morte parece ter-se tornado inverosímil. Por mais que esperança de vida e esperança na vida não queriam dizer a mesma coisa (às vezes, quase parecem variar em sentido inverso). A forma como reagimos diante da morte faz-me recordar uma criança que, duma forma sintética, me explicou que morrer é “ter de fechar os olhos”. Conviermos com a ideia da morte dá às “porcariazinhas” de todos os dias o estatuto de “porcariazinhas”. Não fugir da morte faz-nos amar a vida com outros olhos.
Talvez alimentemos, sem dar por isso, a ilusão que as coisas, quando não pensamos nelas, não existam. Por mais que, quase sempre, se passe o contrário: morremos para as coisas quando fechamos os olhos para elas. E é por isso que eu estranho que se fale tão pouco da morte na escola. A mim parece-me que nos deixámos todos engolir por um ideal de vida demasiado anti-depressivo. Sorrir, mesmo que seja de riso forçado, parece ter-se tornado num estilo positivo de vida. Quando, em boa verdade, a tristeza é “só” o melhor anti-depressivo do mundo. Porque quando podemos estar tristes, e quando podemos trazer para dentro de nós as tristezas dos outros e as imaginamos em nós, nos tornamos mais humanos. A vida torna-se mais inadiável. E só isso nos torna mais fortes. E mais vivos.
Aquilo que nos distingue da alegria das crianças é que nós achamos, solitariamente, que ao fugirmos da dor somos mais felizes. E elas acreditam que se estamos de olhos abertos para as suas dores estão vivas. E e é isso que as torna alegres. E felizes. Para sempre. Viver é não ter de fechar os olhos.