Fazer diferente ou ser diferente: parece ser esse o objectivo de milhões de pessoas, todos os dias. Porque é que a diferença parece ter-se tornado tão urgente? Porque nos sentimos todos demasiado iguais. “Irrespiravelmente” iguais. Diferentes, por fora. E iguais (mais que semelhantes), em muito daquilo que nos falta para que, aos olhos de todos, sejamos inimitáveis e singulares. É estranho que a nossa diferença se reclame resumida a uma fórmula demasiado clonada na ideia para a diferença de outras pessoas. Somos, até, demasiadamente parecidos na forma como reclamamos a diferença! Sendo assim, como podemos tornar-mo-nos diferentes se inquinamos essa diferença, à partida, da mesma forma, igual, que outras pessoas usam para reclamar as suas diferenças?

Ser diferente (ou fazer diferente) parece ser a forma de, por outras palavras, dizermos que queremos ser melhores – ou fazer melhor – que os outros (que acabam por ser, como nós, demasiado iguais entre si). É uma intenção séria. Se bem que escorregadia. Porque se a nossa diferença se faz ancorada nos contrastes que, considerando o comportamento dos outros, conseguimos destacar daquilo que eles fazem, arriscamo-nos a nunca nos distinguirmos deles. Porque, quando muito, vivemos presos aos seus actos. Sendo só o contrário daquilo que eles fazem que nos fará diferentes. Duma forma que acaba por estar sempre muito mais presa às suas características do que, propriamente, aquilo que temos de único. De só nosso. Ou de singular.

Porque é que sendo, inacreditavelmente, inimitáveis, acabamos a sentir que somos todos demasiado iguais? Porque, quando nos olhamos ao espelho, raramente a nossa vida tem a nossa cara. Porque ela parece estar, como a dos outros, atulhada de ruído, de lixo e de constrangimentos. Sabemos que funcionamos; sim. Mas não sabemos quem somos. Nem parecemos assumir um “Vou por aqui!”, íntegro e determinado, que, apesar de todos os solavancos que ela dê, faça com que a nossa vida seja aquilo que quisermos que ela seja. Uma impressão digital, mais que um trilho de peugadas que logo se desvanece.

A par, falamos, hoje, de tudo aquilo que, à primeira vista, distingue e discrimina algumas pessoas, como “diferenças”. Tomamo-las como pessoas “diferentes”. Não, não são deficientes. São diferentes. Ora, num mundo que parece reclamar, a torto e a direito, o privilégio de ser diferente ou de fazer diferente, seria motivo para o regozijo de todos que houvesse quem, por si mesmo, conseguisse ser diferente dos demais. Mas não. Afinal, a diferença a que dantes chamávamos deficiência não parece ser motivo de orgulho. Ou de destaque, pela positiva (como agora se diz). Mas mais uma forma hipócrita de transformar um estigma numa diferença. De pegarmos num defeito e de o tomarmos como “qualidade”. Como se, entre todos os outros que não sendo diferentes mas que o reclamam, só esses fossem diferentes. (O mundo é, por vezes, inacreditavelmente, confuso na forma como pensa!)

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Seja como for, ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro, parece ter sido, noutros tempos, a forma como, em retrospectiva, se passou a descrever uma espécie de testamento vital que daria um rasto, um sentido ou um significado à vida que teremos tido. Seriam provas de vida. Que deixariam um trilho a propósito daquilo teremos sido capazes de construir. Que nos distinguiria de todos os outros. Ou que vincaria a nossa diferença.

Ora, porque havemos nós de dar voltas e voltas para assumirmos, como clareza, que faz diferença olharmos para nós e precisarmos de sentir vários: “Este sou eu!”? E sentir orgulho em muito do que somos? Orgulho pela forma como chegámos à pessoa que temos connosco. Orgulho nela. Orgulho nos filhos que temos. Orgulho ao sentirmos que quem gosta de nós nos admira por aquilo que reconhece que somos. Ou orgulho por aquilo que fazemos. Porque é que passamos a vida a reclamar a diferença?… Porque são demasiadas as vezes em que o orgulho nos escasseia.

É por não acharmos uma graça por aí além à vida que temos que passamos a vida a reclamar pelas diferenças. E não achamos graça porque não nos reconhecemos nela. Querermos ser diferentes (e melhores) que os outros é uma forma de nos entrincheirarmos na vaidade daquilo que queremos para nós em relação aos outros quando o orgulho, só por si, parece ir sucumbindo. Precisarmos dos outros para nos afiançarmos que somos melhores que eles é, seguramente, diferente de precisarmos do seu contributo para sermos melhores do que somos; todos os dias. Sermos diferentes ou fazermos diferente parece ser a forma como, por falta do orgulho, reclamamos a vaidade. Vendo bem, há forma de sermos, tragicamente, mais iguais em relação aos outros do que sermos vaidosos?

Querermos, antes de mais, ser diferentes é como começar uma casa pelo telhado. É querermos ser diferentes sem precisarmos de ser nós. É uma espécie de fast food: ser diferente sem ser preciso trabalhar para sermos quem somos. Diferentes por fora. Qualquer coisa como: não se construa, não se transforme, não se preocupe com os erros, não procure as pessoas que o tragam até si, não se pergunte “quem sou eu?” ou “por onde quero ir?”. Poupe nos meios. Seja mais esperto. Faça mais rápido. Seja diferente. Diferente – muito diferente! – de fazermos tudo para termos um percurso de vida, fazermos por ser quem somos e acabarmos, só porque fomos por aí, por ser singulares, únicos, inimitáveis; diferentes de verdade. Esta “formula” é mais trabalhosa e aproveita os erros para construir a diferença. A outra, contorna os erros e reclama a diferença de maneira preguiçosa e com pouco trabalho.

Podemos saber quem somos sem que o orgulho faça parte de nós?… Não. Orgulho: será por aí que passa a fórmula para a diferença. Sem a qual a nossa vida não terá a nossa cara. Nem se fará de todos os “vou por aqui!” sem os quais não seremos quem somos. Ficando-se por um trilho de peugadas que logo se desvanece. Por mais que, como todos os outros, por causa disso, queiramos ser diferentes. Ou fazer a diferença.