Roland Barthes escreveu em 1968 um ensaio que chamou a atenção de vários críticos: “A Morte do Autor”, assinalando deste modo a chegada ao fim do tempo de vida do autor.

Os autores, tal como todos os homens, morrem. Depois da Idade Média, e na sequência do “empirismo inglês, (d)o racionalismo francês e (d)a fé pessoal da Reforma”, a sociedade descobriu o autor e quis atribuir-lhe um prestígio individual, concedendo maior importância à pessoa do autor. Esta posição em vigor até então podia fazer-nos cair num culto pessoal do autor, numa leitura exclusivamente biográfica e psicológica da sua obra, como se a imagem da cultura corrente da literatura (do tempo de Barthes) estivesse centrada no autor.

Barthes afirma que o desligamento do texto da sua origem faz com que o leitor possa ser livre e começar a viver: “a voz perde a sua origem, o autor entra na sua própria morte”. Barthes, e outros críticos, como Mallarmé, atribuem o lugar que tinha sido ocupado pelo autor à linguagem, sendo esta que “fala, não o autor” e assim devolve ao leitor o seu lugar. O narrador torna-se também uma figura desligada do autor – não é mais aquele que viu ou que sentiu. O autor “está para a sua obra na mesma relação de antecedência que um pai tem para com o seu filho”, é gerado por ele, mas não é sua propriedade. O “eu” que escreve deixa de ser uma pessoa e passa a ser um sujeito (gramatical).

As hipóstases, ou seja, as atribuições de existência real ou substancial àquilo que é ficcional, são deste modo recusadas, pois, estando morto o autor, a sua experiência individual já não pode ser decalcável no texto. Este passa a ser um universo fechado sem criador [senão a linguagem] e é o leitor [segundo Barthes “um homem sem história, sem biografia, sem psicologia”] que decide o que quer dizer o texto.

Numa tentativa de resolver um problema nos estudos literários [o de determinar um texto pelo seu autor], Barthes cria um problema ainda mais grave, acabando, inconscientemente ou não, por cometer suicídio, uma vez que é ele o autor deste ensaio.

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Nas décadas de 80 e 90, vários ensaios vieram responder à sentença proclamada por Barthes. Sendo o autor assassinado em 1968, era necessário autopsiar o cadáver.

William Gass, num ensaio com o mesmo título do de Barthes, publicado em 1984, aponta que a morte do autor é um declínio na autoridade e que a crença de que o texto não tem autor seria semelhante à resposta do gigante Polifemo, servindo-se do texto de John Crowe Ransom, que diz que “a anonímia é uma condição para a poesia. Um bom poema, mesmo quando é assinado com nome completo e bem conhecido, pretende como obra de arte que se perca a identidade do autor”, para que este possa assumir uma identidade ficcional. Numa obra de arte, a atenção deve centrar-se na obra criada e não no autor da obra (este deve estar sempre fora de cena).

Gass acrescenta que podemos considerar a obra anónima, mas esta anonímia não pode significar em nenhum caso que – (se a pergunta fosse feita ao gigante Polifemo) – que foi “ninguém que o fez”.

“Então, a obra de arte pode parecer desprovida de autor (em inglês authorless) para mim porque eu não sei quem a fez; ou porque eu não sou capaz de dizer quem a fez; ou porque não interessa quem a fez(…).” Mesmo quando o autor não é relevante para a leitura do texto – quando ele é desapropriado do texto – a obra de arte continua a ser comunicação porque se dirige a alguém, a ninguém em específico, mas a alguém em concreto, porque “as obras da mente humana estão dirigidas a outras mentes humanas.”

Num outro ensaio publicado por Harvey Hix em 1992, ele toma o pulso do cadáver do autor e avalia os seus sinais vitais. O autor histórico é o que está perdido para sempre, porque, na maior parte dos casos, os autores já estão mortos.

A morte do autor (para Barthes e Gass) é uma questão teológica, portanto a resposta a essa questão pode ser dada através de uma metáfora colhida da religião: o autor é, pelo menos, um ser humano com um corpo (o autor criativo) e uma alma (o autor criado). Barthes clama que o autor está morto e que não há vida para além da morte; Gass clama que há, sim, vida depois desta morte – com uma ressurreição corporal. A autópsia do autor morto leva-nos a uma via média: o corpo do autor está morto, há vida depois da morte; a alma do autor continua a viver.

Um outro ensaio sobre este tema foi escrito em 1992 por David Foster Wallace, um grande escritor americano que cometeu suicídio em 2008, com o título “Greatly Exaggerated”, também como uma resposta aos ensaios de Barthes e Hix, onde ele afirma que “o autor é aquele que tem responsabilidade pelo texto publicado”, mesmo não sendo o proprietário do texto é responsável por ele, responde perante o que escreveu – as ideias expressas no texto são ideias suas ou ideias de outros que tomou como suas – e que possui aquele texto. Segundo Barthes, o autor não pode determinar as consequências dos seus textos, mas para Foster Wallace as circunstâncias da vida do autor são parte do con-texto em que aquele texto foi escrito.

Os adeptos pró-vida do autor (na maior parte, filósofos americanos) veem o autor como a “origem/ causa” do texto e os pró-morte (a maioria, teóricos europeus) identificam-no como “função/efeito” do texto.

Para David Foster Wallace, ambas as posições estão erradas porque consideram um único aspeto do autor como o todo.  A tentativa de Barthes e de outros críticos de matar o autor, de trazer a anonímia do autor para os estudos literários, segundo Foster Wallace, “pode querer dizer muitas coisas, mas uma coisa que não pode querer dizer é que ninguém o fez.”