Um terço de 2023 já vai a passar, e, quanto mais o ano avança, mais depressa se deseja que acabe. O descontentamento social aperta, a contestação sobe de tom, as greves atropelam-se ao ponto de fazer o comum cidadão amaldiçoar os contestários pelo incómodo que causam no quotidiano. Em dois meses vimos isso acontecer com os professores e os funcionários da CP, mas infelizmente mais virão, só falta saber quem, como e onde. Candidatos não faltam num país estruturalmente enfraquecido, mais pobre em todos os sentidos.

A salvação seria a convergência com a Europa, um novo milagre europeu à semelhança do vivido no final dos anos 80, para relançar o país mas que ficou enterrado em betão e alcatrão (a política do ‘todos têm uma autoestrada à porta de casa’). Acaso dos acasos, os astros alinharam-se e esse milagre chegou sob a forma de PRR (vulgo bazuca) e Portugal 2030. Uma oportunidade de ouro em que, como em tantas alturas no nosso passado recente, perdemos o comboio já na primeira estação. Isto literalmente, uma vez que o projeto para a “futura ferrovia portuguesa” vai fazer de Portugal mais uma ilha europeia, orgulhosamente isolados em bitola ibérica. Podemos continuar a falar de TGV (que em princípio só vamos poder utilizar seguindo o exemplo dos contrabandistas e passar a fronteira a salto) e da ligação Sines-Elvas enquanto a economia nacional perde por não ter uma infraestrutura que permita a exportação rápida e eficiente de mercadorias para o mercado Europeu.

Por sua vez, a falta de ferrovias decentes torna os portos portugueses menos atrativos para fazer de Portugal um grande entreposto, desperdiçando assim a nossa localização geográfica (quem diria que já fomos um país voltado para o mar). E do mar também podíamos retirar grande parte da energia que consumimos (quem sabe, num delírio, até exportar). Bastava ir na onda dos nossos amigos holandeses e dinamarqueses e construir parques eólicos offshore, ao invés de cobrir a planície alentejana de painéis fotovoltaicos, ou então permanecer dependente de combustíveis fósseis que não possuímos e por isso temos de comprar. Uma nota relativamente a energias: a vaga de fundos que o governo está a pensar colocar numa “conta poupança” podia dar o impulso necessário nas renováveis e tornar Portugal o farol da Europa, enquanto nos outros países se discute o renascimento das centrais a carvão e o prolongamento da vida útil das centrais nucleares (infelizmente o nuclear ficou perdido para Portugal nos anos 80 e dificilmente iremos voltar a esta discussão).

Voltemos à planície alentejana onde há que investir no cultivo de cereais e não promover exclusivamente culturas intensivas (não esquecer que os silos da EPAC ainda estão espalhados um pouco por todo o país, por isso não se começa do zero). Para além disso é preciso apoiar os pequenos produtores de azeite, laticínios… coisas tão essenciais para a nossa sociedade e que hoje se encontram a preços proibitivos devido à falta destes estímulos. Correndo bem, estes investimentos não megalómanos, ponderados e necessários em áreas chave tornariam Portugal num país competitivo a nível europeu, a saber: os preços da eletricidade e bens essenciais baixariam; o aumento das exportações melhoraria a balança comercial Portuguesa o que por sua vez atrai mais investidores. Mas, e efeitos práticos para as pessoas? Deixando a economia funcionar e tirando a opressão fiscal que o Estado exerce sobre os contribuintes, os consumidores passam a ter mais poder de compra, porque os preços baixam e o rendimento efetivo aumenta. Havendo mais orçamento pessoal disponível  a confiança aumenta para poupar e investir (quiçá até em obrigações do Estado).

E assim, começamos com investimentos europeus (efetuados por intermédio do Estado) e acabamos com investimentos dos portugueses no próprio Estado. Tudo usando e valorizando os recursos ao nosso alcance. Sem necessidade de inventar. Este é o espírito que eu penso que rege os fundos Europeus: servir os portugueses, melhorar o seu dia a dia, a qualidade de vida mas também estimular a economia e catapultar o país para o futuro. Infelizmente em Portugal os fundos ganham nomes sonantes e conferências de imprensa pomposas em vez de se materializarem em ferramentas de crescimento social, cultural e económico.

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