Portugal é dos poucos países do Mundo que de forma decisiva contribuíram para a História da Humanidade. Tal aconteceu quando, na expressão de Camões, demos novos mundos ao Mundo, e é irrepetível.
É simplesmente esta verdade histórica, com os seus antecedentes, envolvências intercontinentais e interculturais e enormes consequências mundiais, que eu, enquanto historiadora e museóloga, gostaria de ver transposta, com o maior rigor histórico / científico (de que o apoio da Academia Portuguesa da História é inquestionável garante), para a pedagógica, abrangente e cativante observação que um museu permite, num museu inovador, que seja promotor da inclusão, do diálogo, da solidariedade, da paz.
A propósito, lembro quatro historiadores e ainda George Modelski, todos conceituados e actuais especialistas internacionais nestas matérias, propositadamente todos estrangeiros, para manifestar o seu posicionamento longe das ideologias portuguesas:
- o norte-americano David Landes (1924-2013), da Universidade de Harvard, que em 2002 escutei na Conferência Internacional “Globalização. Ciência, Cultura e Religiões”, na Fundação Calouste Gulbenkian, afirmar que a globalização começou com os portugueses. Também aí participou George Modelski (1926-2014), professor de Ciência Política da Universidade de Washington, fundador da teoria dos ciclos longos hegemónicos, que em 1988 publicou “Sea Power in Global Politics, 1494-1993”, de que um sintoma foi a exposição sobre o papel de Portugal no Mundo nos séculos XVI e XVII, a qual em 2007 esteve patente na Smithsonian Institution, em Washington.
- o britânico John Darwin (professor em Oxford, onde dirige o Centro de História Global) que no premiado, “ambicioso, monumental e convincente” livro “Ascensão e Queda dos Impérios Globais 1400-2000”, no preâmbulo à edição portuguesa (2016) escreve “o lugar de Portugal nesta história é de crucial importância … Com um interesse crescente na história global em todo o mundo, os historiadores certamente irão prestar mais atenção ao papel global de Portugal, do Brasil ao Japão, e às fontes históricas e arquivísticas portuguesas, pelas quais tanta da história global é revelada. A história portuguesa é história global!”.
- o britânico Peter Frankopan, que tem leccionado nas principais universidades de todo o mundo e é também professor de História Global na Universidade de Oxford, no livro publicado há semanas “As Rotas da Seda. Uma Nova História do Mundo”, o qual escreve a propósito das viagens dos portugueses e espanhóis: “Pela primeira vez na História, a Europa estava no coração do mundo.”
- o suíço Urs Bitterli, que no livro “Cultures in Conflict”, Stanford, 1989, escreveu: “De um ponto de vista actual, a mais impressionante conquista dos portugueses terá sido talvez o seu frequente e rápido sucesso em estabelecer relacionamentos mutuamente satisfatórios com muitos e variados povos … Perguntar como alcançaram eles esta proeza, é sondar os mistérios da mentalidade portuguesa. É óbvio que os portugueses eram claramente superiores aos espanhóis, e incomparavelmente superiores aos holandeses e aos ingleses, na sua capacidade de responderem de forma despreconceituada e apropriada às influências de culturas estranhas.”
O notável pensador Eduardo Lourenço, conforme veiculado pela Lusa em 23 de Maio de 2018, declarou então a propósito do abaixo-assinado surgido sobre o projecto da C.M.L. do Museu das Descobertas que não vê necessidade de “crucificar” o passado, “nunca vi este acto quase de tribunal de inquisição ser convocado metaforicamente para pôr na pira a história do nosso pequeno país, que não o merece”, “fomos os mais pacíficos dos povos do sul da Europa”, “houve colonizações mais violentas, como a dos espanhóis no México ou no Peru”…
Nos finais do séc. XIX, tanto em Portugal como em Espanha surgiu a ideia de criação de museus dedicados à época dos Descobrimentos, tendo o do país vizinho sido criado estatal, enorme, em Madrid, em 1941 – é o Museu da América, que há dias descobri enfatizar actualmente o “diálogo intercultural”.
Em Portugal, ao longo destes 3 séculos tem havido a intenção de criar o museu, ideia que acalento e actualizo desde há cerca de 40 anos, primeiro com o nome de Museu dos Descobrimentos, desde os anos de 1990 com o de Museu do Multiculturalismo, e desde os inícios deste século com o de Interculturalidade, por a interculturalidade “implicar maior diálogo e aproximação (“o intercultural é o motor da evolução das sociedades”, na expressão do filósofo francês Jacques Demorgon”, conforme escrevi no 1º dos 3 artigos que recentemente dediquei a este assunto, publicados no “Observador”, respectivamente em 24 de Março, 9 de Abril e 3 de Maio de 2018.
Logo a 27 de Março, a Academia Portuguesa da História me informou por ofício “conforme decisão do Conselho Académico (da véspera) é com o maior entusiasmo que esta Academia aceita colaborar no projecto de criação do “Museu da Interculturalidade”. Curiosamente, ainda não vi referido este meu valiosíssimo apoio em qualquer dos muitos autores que entretanto têm tratado do museu, e até aconteceu que o título do meu referido artigo publicado em 3 de Maio: “Academia Portuguesa da História apoia “com o maior entusiasmo” o Museu da Interculturalidade (e não o Museu das Descobertas)”, inclusivamente apareceu substituído numa bibliografia para “Novos Apoios ao Museu da Interculturalidade”, quando o apoio da Academia Portuguesa da História surgiu na 2ª feira, 26 de Março, cerca de 24 horas depois da publicação do primeiro destes artigos!…
Quando, no início de 2018, me lembrei de retomar o tema do Museu da Interculturalidade, o qual apresentei em 9 de Março num congresso internacional numa comunicação intitulada “Musealizar a presença de Cristóvão Colombo em Portugal”, não sabia que a C.M.L. tinha o projecto do Museu das Descobertas (e já desde 2015 !) , do qual eu só soube pela polémica camarária que a 17 de Março de 2018 surgiu na Comunicação Social, tendo verificado que o meu projecto, que recebeu numerosos e ponderosos apoios individuais e institucionais em pouco mais de um mês, poderia ajudar a melhorar o projecto municipal, que como já foi dito e pelos vistos nasceu torto.
O conceito de Museologia Intercultural e os museus e o património cultural deverem ter a paz como objectivo último são princípios que defendo há cerca de 25 anos, e como fiz, por essa época, na comunicação que anteriormente mencionei e apresentei na África do Sul, no Museu Bartolomeu Dias, a propósito deste Museu da Interculturalidade.
Fiquei feliz por estes serem agora paradigmas do ICOM, desde a Declaração do Funchal, assinada no dia 11 de Maio de 2018 pelo meu colega e amigo Luís Raposo.
Penso que a interculturalidade é um conceito que pode ser considerado em relação a todas as épocas da História e a todas as culturas, é um processo em construção, condição de maior igualdade mundial, e julgo ainda hoje não haver paladinos nessa matéria – obviamente ainda menos os havia nos séculos XV/XVI!
O enfoque na interculturalidade que há tantos anos considero essencial haver neste museu (e pelos vistos a Espanha já assim também considera quanto ao Museu da América, como referi), é essencialmente devido a Portugal ter sido autor da Globalização planetária, marco do início da Idade Moderna, e a no séc. XXI continuar a destacar-se no diálogo intercultural, como ainda foi acentuado na significativa cerimónia realizada na Mesquita de Lisboa, em 16 de Março de 2018, para comemorar os 50 anos da 1ª Comunidade Islâmica na Península Ibérica após a retirada dos mouros, com a presença do Secretário-Geral das Nações Unidas, todos os Presidentes da República de Portugal, o Presidente da Assembleia da República, o Cardeal Patriarca de Lisboa, o Imã da Universidade de Al Azhar (Cairo).
De facto, na História de Portugal, os Descobrimentos constituíram o tema mais importante na sua relação com a História Global e permitiram o encontro entre as mais diversas culturas, as quais até aos séculos XV/XVI nenhuns ou poucos contactos tinham entre si. Os portugueses foram não só os pioneiros a revelar à Europa essas terras e culturas, mas os que mais se espalharam pelo Mundo, o que ainda mais justifica o enfoque na interculturalidade neste museu, desde a sua concepção e a utilização da palavra interculturalidade no nome provisório da instituição.
Quanto a eu ter especificado a “origem portuguesa” a propósito do provisório nome Museu da Interculturalidade de Origem Portuguesa, tal, obviamente, e como foi geralmente percebido, não implica qualquer visão eurocêntrica, nem qualquer contradição, nem se refere “apenas a desta origem”, pois assim nem interculturalidade haveria !, mas apenas procurou especificar a portuguesa e não outra qualquer, como espanhola, inglesa…, nessa época em que “pela primeira vez na História, a Europa estava no coração do mundo”, repetindo a atrás citada recentíssima expressão de Peter Frankopan.
Em relação à localização do museu, há muito que venho sugerindo a Cordoaria, por motivos práticos, financeiros e de afinidades na memória do subaproveitado edifício, mas parece que agora há a decisão de um novo edifício próximo do Terminal de Cruzeiros.
Como tenho explicado nos referidos 3 artigos do “Observador”, como se torna impossível retirar, dos museus e colecções, portugueses e estrangeiros, os muitos objectos necessários para a exposição, o acervo do museu seria composto essencialmente recorrendo às novas tecnologias, como réplicas, fotografias, etc., colocando-se os objectos originais sobretudo em exposições temporárias.
Tenho insistido em que, em Lisboa, a exposição deveria ser feita num edifício uno, sobretudo para haver uma explicação mais coesa (e ser mais barata a manutenção), devendo haver chamadas de atenção para as peças originais, contidas nos diferentes museus, em Lisboa, no País e no estrangeiro.
Por outro lado, com vista a criar uma rede de temas complementares ou afins, tenho sugerido que sejam criados ou sejam considerados núcleos do museu, vários locais ou instituições espalhados pelo País e pelo estrangeiro, onde haja memórias portuguesas com origem nessa época, por exemplo Brasil, Angola, Moçambique, Índia, Malásia, China, Japão, etc.
O atrás mencionado Museu Bartolomeu Dias, na África do Sul, em Mossel Bay, e na Indonésia a parte do Museu de Jakarta dedicada a Portugal poderiam já associar-se. Acrescentem-se tantos locais de memórias portuguesas dessa época, os quais rodeiam o Mundo!
Quanto ao nome alternativo para o museu posso indicar meia dúzia, mas há muito que tenho um preferido. Se não indiquei mais cedo o nome foi porque pressenti que “corre o risco de ser flagelado”, como sabiamente disse Jaime Gama em 3 de Maio de 2018 no programa “Conversas à Quinta” dedicado ao Museu, com José Manuel Fernandes e Jaime Nogueira Pinto.
Agora, digo que o meu nome preferido para o museu é “PORTUGAL GLOBAL”, pois já é uma menorização o museu ir ser municipal em vez de estatal e nacional, e ainda por cima chamar-se-lhe “A Viagem”… mas que viagem, turística, de negócios, a Londres, Índia, de avião, caravela …?. Considero “A Viagem” um nome impossível para designar a época em que demos “novos mundos ao mundo” e considerando, como ainda agora o mencionado John Darwin sublinha: “A história portuguesa é história global” e “o lugar de Portugal é de crucial importância”!!! Porquê continuarmos a menorizarmo-nos a nós próprios ??? Porquê ter medo de admitir que PORTUGAL foi GLOBAL?