“Salvar o projeto europeu constituirá um milagre. Se ele acontecer será, infelizmente, sem o contributo português.”
Viriato Soromenho Marques
O primeiro facto concreto, assumido pelo autor no título, é que fizemos a adesão com um debate insuficiente. O segundo facto assumido é que decidimos entrar na união económica por desespero orçamental.
A perda das colónias reduziu o nosso espaço económico e tínhamos substituído grande parte das elites governativas por novos elementos recém-chegados à política e à governação. Havia uma dificuldade nacional de navegar em mares novos, monetários, políticos, económicos, industriais e agrícolas. Começámos a viajar, desde os Interrail às viagens de negócios e lazer, e o mundo da Europa parecia-nos luxuriante.
Abraçámos o projecto entusiasmadamente como uma tábua de salvação face aos nossos próprios pecados.
Tal como hoje, muitos entre nós, ainda afirmam com veemência: “se não nos sabemos governar, que nos governem os europeus”, na época também a união parecia uma fuga em direção a um futuro que apenas poderia ser melhor.
De certo modo, assumimos a nossa relativa inferioridade quanto à capacidade de organização dos europeus do nosso próprio País.
E não fizemos um referendo em qualquer dos momentos cruciais.
A adesão ao SME (Sistema Monetário Europeu) foi positiva. Sim. Gerou estabilidade monetária, “agarrou” o Escudo, impedindo a inflação que a nossa própria indisciplina orçamental de estado criava. Foi um primeiro sucesso (de curto prazo) que nos aumentou a embriaguez, e escolhemos praticar, em detrimento de tornarmos a nossa moeda estável autonomamente.
Nos corredores do Poder europeu e português, Soares, Cavaco e outros, de modo paternal, avaliavam as questões, as situações, negociavam os passos a dar e o unanimismo das classes dirigentes parecia claro. Para quê fazer um referendo se a garantia de sucesso era absoluta?
Ninguém pensou na altura que estaríamos num processo de húbris (1), encadeados pelo brilho reluzente da Europa, cegos quanto aos riscos, dificuldades e consequências potenciais da adesão.
Aderimos e progredimos na união. Cedemos o controle das nossas políticas industriais, agrícolas, monetárias e em todos os aspectos da nossa vida estatal.
Há cerca de dois anos: “O primeiro-ministro admitiu que as negociações com a Comissão Europeia para descer o IVA dos combustíveis de 23% para 13% não estão a ser fáceis. Para já, avança a redução equivalente do ISP.”.
Quando não podemos ter um mínimo de política fiscal autónoma face à necessidade de colmatar as dificuldades dos nacionais, então talvez tenha chegado o momento em que temos de assumir a perda total da Soberania.
Hoje, Junho de 2024:
- Portugal não tem qualquer autonomia de decisão quanto aos vectores políticos de governação, nem tem independência sequer de definição das próprias fronteiras. O Pacto das Migrações e os desejos e política europeia determinam quem, e quantos devemos receber;
- Fruto da nossa integração na NATO, que vai a par da europeia, somos levados a participar no esforço de guerra que muitos consideram ser de interesse americano, e não europeu. Aceitamos, damos mesmo 116 milhões de euros, e preparamos uma nova leva de Serviço Militar Obrigatório para eventualmente virmos a enviar os nossos jovens para a frente de combate.
Da nossa Constituição, ARTIGO 3.º (Soberania e legalidade):
- A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.
- O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática.
- A validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.”
Revendo, o escrito antes, quanto à tomada dos vários passos na integração que nos levaram a abdicar da Soberania, cruzando com o que nos informa a Constituição no Artigo 3º, sabendo então que “é no Povo que reside a Soberania”, este nunca foi consultado, e face à gravidade do que nos sucede hoje, ainda podemos afirmar com certeza que “o processo foi democrático e constitucional”?
Se a Soberania reside no Povo (nº 1 do Artigo 3º), se os órgãos sucessivos de governação abdicaram da mesma Soberania que reside no Povo, sem consultar o Povo, o que dizer da eventual bondade democrática da Integração? O que dizer quanto ao nº 2 do Artigo 3º? E quanto ao nº 3?
Agora que estamos em processo eleitoral para o Parlamento Europeu, não seria boa altura para discutir o tema?
Até que ponto mergulhámos, sem plena consciência dos nossos actos, num processo onde por não termos controlo suficiente (apelo ao subtítulo/citação de Soromenho Marques) arriscamos muito mais do que deveríamos como Nação? Em que barco nos encontramos?
- “A húbris ou hybris (em grego ὕβρις, “hýbris”) é um conceito grego que pode ser traduzido como “tudo que passa da medida; descomedimento” e que atualmente alude a uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência (originalmente contra os deuses), que com frequência termina sendo punida.” https://pt.wikipedia.org/