Biden não foi derrotado no Afeganistão. Em vez de uma derrota militar por perda de posições, incapacidade militar ou força extrema do inimigo talibã, os EUA abandonaram simplesmente as posições no terreno. E fizeram-no de maneira aparentemente atabalhoada. Evacuando os militares à pressa, deixando civis americanos e de outras nações aliadas no território, abandonando milhares de milhões de dólares em equipamento militar, desde aviões e helicópteros a blindados, carros de combate, armas ligeiras e toneladas de munições. O exército afegão, pobremente mantido, instruído e motivado, com salário baixo, aparecendo nos quartéis na data de pagamento e indo de volta para as suas casas nos intervalos, jamais seria uma oposição quando as tropas de ocupação americanas deixassem o país.

A posição talibã será, a partir de agora, absolutista. Reforçados pela facilidade com que tomaram o poder, bem municiados e armados, contando com o apoio internacional chinês e iraniano, estão – inelutavelmente – a instalar um novo regime que, desta vez, dificilmente será desmantelado por forças ocidentais.

E isso é essencial para o plano chinês (com muitos “adeptos” a Ocidente) de continuar a montar a Belt Road Initiative. A continuidade territorial entre o Afeganistão e o Irão foi agora assegurada e no terreno afegão já muitos “homens de negócios” chineses e seus representantes estão a comprar os terrenos necessários (e melhores) para o futuro trânsito no âmbito da Belt Road.

Por que motivo Biden faz algo que beneficia os interesses chineses em primeiro lugar? E isto não obstante todos os avisos que Trump (uma espécie de poder crítico na sombra nos EUA) vai fazendo nos seus “statement” quase diários.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao contrário de Biden, Trump (apesar da sua intempestividade) mostrava ter uma clara compreensão estratégica do problema chinês e de oposição aberta. Biden, ao contrário, tem deixado a China progredir no seu plano imperial de longo prazo. Sem contraste. Por exemplo, na guerra económica e comercial que Trump tinha iniciado, Biden tem permitido a liberdade de movimentos quase plena à China.

É algo com profundo impacto na nossa vida política e económica aqui no nosso cantinho ibérico em que vivemos. A Belt Road Initiative precisa de outros entrepostos de comunicação com os EUA, África e América do Sul. Os nossos portos são muito apetecíveis. Sines, Lisboa, as nossas ilhas – Açores – pontos estratégicos de ligação. E os chineses, na sua ampla e extensa rede de preparação para o novo império que pretendem construir (umas vezes mais discretamente, outras menos) estão também cá e têm penetrado na economia com a persistência que os caracteriza. Pode-se afirmar que os interesses chineses em Portugal são o enorme elefante no meio da sala de que pouco se fala.

Várias empresas nacionais de relevância estratégica foram compradas. Em múltiplos sectores da economia e dos media, a China já tem uma posição de influência em Portugal como outros países (até mais “amigos”) não têm. Os “amigos da China” portugueses têm contribuído discreta e inexoravelmente para as transferências necessárias ao incremento da influência e posição chinesa.

É preocupante? Muito. Tem sido explicado por analistas e políticos? Muito pouco.

Seria uma boa altura para os Portugueses começarem a questionar a real dimensão da relevância da posição de controlo chinês por cá. Até porque, com Biden no poder (ou Kamala em substituição), a oposição internacional será virtualmente inexistente ou tornada irrelevante pela Realpolitik da administração americana. Do lado europeu também poderemos esperar oposição virtualmente nula. Os poderes da Comissão Europeia, a Alemanha e a França, a Itália por onde passa a Belt Road, também trabalham de modo mais ou menos discreto para o conceito e implementação da nova rota em colaboração com a China.

O império chinês do século XXI está aí à porta e, nestes dias, no Afeganistão, deu-se mais um passo importante na sua viabilização. Com ajuda e beneplácito americano e silêncio europeu.

Quo vadis Europa?