No outro dia, estive a ajudar a minha mulher na cozinha. Eu sou um zero à esquerda naquela divisão da casa. Excepto para comer.
Antes de começarem a refilar e a dizerem que eu sou é preguiçoso e que é muito conveniente dizer que não se tem jeito para a cozinha, deixem-me esclarecer já que eu não me furto ao trabalho. Sou um óptimo ajudante, descasco, corto, pico e lavo tudo o que me mandarem. Mas é este o cerne da questão.
O que me mandarem. E é preciso “mandar” qualquer coisa!
Muitas mulheres, e a minha em especial, falam com frequência uma língua diferente, o “coisês”. É uma língua especial, misteriosa, e apenas clara para os iniciados. Nós, os homens, os não iniciados, não a percebemos.
Pode acontecer, por exemplo, a minha mulher dizer-me “traz-me a coisa”. E se eu, ingénuo, perguntar “qual coisa?”, ela, no meio das várias tarefas que está a fazer em simultâneo, responde, impaciente: “a coisa! A coisa! Que está naquela gaveta…”. Quando eu, confuso, pergunto “mas qual gaveta?”, ela fica meio furiosa e diz “deixa estar” e vai ela buscar a tigela de vidro redonda que está na segunda gaveta a contar debaixo, do móvel que se encontra do lado esquerdo da porta.
No outro dia, quando estive a ajudá-la, pediu-me “lava a bancada”. A cozinha tem 4 superfícies incluíveis na denominação “bancada”. E eu perguntei: “qual bancada?”. E ela, enquanto lia o livro de receitas, apontando vagamente com a mão, “aquela e aquela”. Decidi não fazer mais perguntas, e passei o pano pelas 4 bancadas.
Depois, disse-me: “leva-a para ali”. E aí fiquei perdido. Não conseguia perceber a entidade a levar, nem o local. “Levo o quê?”, perguntei. “A Bimby”, respondeu. “Para onde?”, retorqui. Mais uma vez a mão apontou vagamente para um ponto cardeal. Pedi com jeito: “podias definir e apontar com exactidão o local?”. Olhou para mim, espantada, como se eu fosse ligeiramente deficiente (e às vezes acho que pensa que sim), e dirigiu-se a uma das bancadas e, com as duas mãos, definiu exactamente o local, e não saiu de lá até que me aproximei com o aparelho e o poisei lá.
Continuou atarefada e, alguns momentos mais tarde, disse: “traz-me aquilo…”. Desta vez decidi não perguntar e decidir por mim. E levei-lhe uma concha de sopa. Recebeu-a na mão, distraída. Só uns segundos depois reparou no que eu lhe tinha dado. Olhou para a concha, espantada, e depois para mim. Abriu a boca como se fosse falar, mas depois fechou-a. Aguardei. Ela foi arrumar a concha da sopa e buscar a faca de cabo branco, grande, que está na segunda gaveta a contar de cima do móvel no extremo direito da bancada maior.
E o mais incrível é quando estamos com alguém que também fala “coisês”. Como a sua irmã, por exemplo. Ou a minha filha. Nessas ocasiões, gosto de ficar o mais discreto possível, num canto a observar. E a pasmar com a forma como dizem “isto”, “aquilo”, “ali”, e “a coisa” e se entendem e vão buscar e pôr e dar as coisas certas nos sítios certos!
Acho que as mulheres e os homens não são da mesma espécie. É um mistério como, apesar disso, se conseguem reproduzir entre si.