Era uma vez um país que tinha metade da população de Portugal e o dobro do seu PIB.
Ou seja, cada um dos seus habitantes gerava quatro vez mais riqueza do que os de Portugal. Sobre a riqueza desse país – chamado Noruega – muitas histórias foram contadas. Que pescavam muito… E confirma-se que pescam, mas apenas metade do que pesca um país pobre como o Vietnam. Depois começou a dizer-se que o segredo era o petróleo, que era por isso que eram ricos. Tinham petróleo, de facto, mas com uma produção de 2 milhões de barris por dia estavam muito atrás da Venezuela, por exemplo, no ano 2000. Enfim, só meia dúzia se referia à educação, à eficiência e à disciplina dos noruegueses.
Foi por isso com grande espanto que a generalidade das pessoas recebeu a notícia de que a Noruega era quem produzia os sistemas de mísseis mais avançados do mundo – terra-ar, terra-mar e mar-mar. De tal forma eram avançados que passaram a fornecer a marinha dos EUA e também as forças armadas de diversos outros países, como a Lituânia e a Alemanha. Alguém lembrou então a essas espantadas pessoas que a Noruega vai aumentar os seus gastos com a defesa para os 2% do PIB – em 1970 tinha já chegado a ultrapassar os 3,5%! –, enquanto países menos preocupados com a sua soberania, como Portugal, acham razoável manter esse gasto abaixo de 1,5%.
Contas feitas, ainda que arredondadas, cada norueguês gasta em defesa cerca de seis vezes mais do que um português. Não é 20% mais, nem o dobro, nem o triplo, é seis vezes mais. Na verdade, os noruegueses recordam-se de ter tido o seu país invadido e ocupado, recordam-se das batalhas de Narvik, dos raids ingleses sobre os seus fjords, especialmente daqueles que visavam aniquilar definitivamente o grande couraçado encalhado, Tirpitz. Enfim, lembram-se dessas coisas e sabem que só a força garante a paz e a independência, tanto mais que a anexação soviética de território finlandês no Árctico, em 1940, pôs a Noruega a ver do outro lado do risco e em contacto directo consigo o mais indesejável dos vizinhos – a Rússia, então União Soviética.
Este é o ponto da conversa em que surge sempre alguém a dizer-nos que é melhor ter bons hospitais do que submarinos, e que é melhor ter escolas do que divisões blindadas. Ora, a atualidade noticiosa é muito eloquente no que toca a demonstrar que sem força militar um país arrisca-se a desaparecer e a ver a sua infraestrutura civil ruir por completo. Não há, portanto, que escolher entre o submarino e o hospital. Pelo contrário, o submarino é a garantia de que continuaremos a ter hospital.
Resta o argumento utilitário e oportunista da NATO – os outros que paguem a minha proteção. Ora, a Noruega faz parte da NATO, é membro fundador, tal como Portugal, mas a sua integração na aliança não dispensa o país de, primeiro, cumprir os seus deveres de membro e, depois, garantir a si mesmo uma defesa autónoma. Não se trata de um luxo, nem sequer de um luxo moral, mas antes de uma premissa necessária – embora não suficiente – para a prosperidade: não há país rico sem haver país forte, com capacidade de dissuasão e meios para manter a sua integridade. Equivocou-se quem se precipitou ao pensar que tais princípios universais e intemporais estariam ultrapassados no século XXI.