Estou no estádio, acabo de me sentar. O telemóvel vibra com a internet que já apanha cá dentro. Saco-o do bolso. Pedem-me uma opinião, que a escreva, tem de estar pronta a entrar assim que a final, que já aconteceu e vocês já viram, acabar. Mas não faço a mínima ideia em que teclas bater e o que escrever. Não fico nervoso, porque já o estou há horas, pela primeira vez desde que aterrei em França. Começo a sentir-me assim na rua, mal me despeço de uns amigos e vou esperar pelo comboio que me leva ao metro que me deixa perto do Stade de France. Porra, estou a caminho da final de um Europeu, onde vai estar Portugal.

Mas não sei o que hei de escrever.

Podia criticar, dizer mal da desorganização nos estádios. Podia apontar o teclado e carregar furiosamente contra a despreocupação que vejo nas revistas a quem entra nos recintos. A coisas como ver seguranças perguntar o que a pessoa leva dentro da mala ou da mochila e apenas a examinarem consoante a resposta. É ridículo, mas não vale a pena. Podia refilar com os bitaites dos funcionários da UEFA que, até aqui, no sítio da final, me obrigam a ir a várias portas do estádio por cada um achar que é ali que me deixam entrar.

Mais nervoso fiquei.

Podia escrever como tanto nervo aparece no último dia porque passei todos os outros a abrir. Ser jornalista e estar num Europeu implica dormir pouco, andar muito, ficar sem roupa lavada sem dar por isso, contar quilómetros às centenas, em viagens de madrugada, atrás da seleção, ficar muitas vezes à rasca e de mau humor sem saber porquê, por quase nunca haver descanso. Mas fico pasmado por ter sido preciso Portugal chegar à final — quando tantas vezes desconfiei, pelo que via, que nem em sonhos lá chegaria — para me sentir assim.

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Penso como, há 12 anos, era um puto da escola, que não pensava em ser jornalista, que ia ver os jogos de Portugal sempre à casa do mesmo amigo, com outros amigos, e que íamos jogar à bola para a rua nos intervalos. Apercebo-me, como a onda que varre uma praia, que não sei escrever o suficiente para descrever a sorte que sinto em estar aqui. Nem para desabafar sobre o quanto me irrita ouvir dizer que a seleção só está aqui por sorte, quando a sorte é a coisa que sai da boca dos que não sabem o que criticar.

Continuo sem saber o que hei de escrever, não arranjo um tema só. O que leram até aqui foi, literalmente, o que me veio à cabeça. Sem parar, nem pensar, o contrário do que me ensinaram a fazer. Apenas agora o faço, quando outra mensagem me lembra que bastava escrever uns dois mil carateres, ou seja, já me estiquei.

Aqui penso nos nervos que sinto e na sorte que tenho. Eu é que a tenho, não a seleção, que está aqui porque, simplesmente, ninguém conseguiu ser melhor do que ela. Ponto final. Que os franceses não me façam chorar como fizeram os gregos em 2004. Não foram eles, foram os portugueses, os que andaram ali dentro a correr e que me puserem a tremer desde o golo de Éder e me colocaram a chorar quando o árbitro apitou.

Foi o que me veio à cabeça e ao corpo. Tinha que voltar aqui para o escrever. Somos campeões da Europa de futebol e agora já sei o que escrever — já não temos que olhar para cima para ninguém.