Ainda a tentar resistir a um espírito de bebedeira coletiva, por entre filas de trânsito e loucuras nos centros comerciais, escrevo esta crónica para tentar demonstrar que o Natal, nos dias que correm, é pretexto para muita coisa que é esquecida nos restantes 11 meses do ano.

Confesso que não sou grande fã da época, por motivos pessoais e pelas loucuras em todos os lugares de concentração de massas em que somos obrigados a ir, havendo um pouco a perversão dos valores religiosos e sociais que deram origem à festividade natalícia: nascimento de Jesus Cristo, há mais de 2000 anos. Mas, após esta reflexão, isso não me impede de ter clarividência, respeitar quem gosta da época e de ficar aborrecido com um manto solidário que é excessivamente exacerbado nesta altura do ano.

Caro leitor, repare que em 11 meses do ano, a população portuguesa tem cerca de 2 milhões de pobres, e mal vemos campanhas de solidariedade para ajudar essas pessoas. E, mais ainda, têm de ser instituições como a Cáritas e o Banco Alimentar a tomar a dianteira para colmatar as falhas do Estado Social, fazendo vários peditórios, recolhas e distribuição de bens, ao longo do ano. A eles e aos seus voluntários, os meus parabéns e todo o meu apoio!

Na época do Natal, aparecem instituições de solidariedade como se de cogumelos se tratassem, pedindo ajuda, fazendo campanhas em supermercados, telefonando para as casas de portugueses que ainda têm telefone fixo, entre outras formas. Tudo com um objetivo, em mais de 90% das vezes: obter uma contribuição monetária. E, algumas vezes, alguns colaboradores ficam pasmados quando alguém lhes pretende oferecer livros ou roupas, em vez do dinheiro…

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Isto faz-me recordar a música do prof. Barata Moura: “Vamos brincar à caridadezinha”. Pergunto-me se não há mais 11 meses no ano para fazer estas campanhas? Só o Natal serve, porque somos invadidos por músicas com sentimento? E naqueles que têm famílias numerosas, é por ser época de reencontros?

Parece-me evidente a mim e, provavelmente, ao próprio leitor, que o Natal está a ser utilizado como época preferencial, pois anda-se mais sensível e predisposto a contribuir para causas, sob o manto do altruísmo natalício. Está estudado pelos Marketers e pelos departamentos de vendas que o mês de Dezembro é o mês com mais vendas, havendo por isso campanhas direcionadas ao sentimento do consumidor final.

Mais ainda, onde anda o Ministério da Segurança Social e Solidariedade Social, que tem alguma responsabilidade governamental para tutelar e influenciar positivamente estas instituições e seus beneficiários?

Esta pergunta é a que tem resposta mais difícil… há várias semanas que ninguém sabe do paradeiro da ministra Ana Mendes Godinho, ou sequer se sabe quem são os secretários de Estado. Mas, sim, eles deviam prestar contas públicas aos portugueses, anualmente, para se tentar perceber qual a ação deste ministério para mitigar os efeitos da pobreza e, pelo caminho, para regulamentar e ordenar as campanhas de solidariedade.

Sabemos que tudo é culpa do “pecado original”: Portugal tem um problema estrutural de uma política de baixos salários, contrabalançados com impostos muito elevados. Com uma situação assim, condena-se o futuro de um país e obriga muita população a viver da caridade, por muito que queiram evitar chegar a esta situação. Os governantes, da esquerda à direita, têm de mudar de mentalidade, porque um país pobre é um país com um futuro hipotecado.

Até a OCDE diz que Portugal vai crescer 7,2%, até 2023. Parece positivo, mas é um resultado medíocre face a países nossos parceiros, como a Irlanda, que no mesmo período vão crescer 40%.

Da parte dos Governos, muito tem de ser feito para fazer evoluir o país e para diminuir a pobreza, tornando-a num fenómeno residual. Melhores políticas fiscais e melhores salários são um bom ponto de partida.

Até a pobreza ser residual, temos que contar com as instituições de solidariedade social para “tapar as misérias” de um ano de um país e da sua sociedade.

Mas, se nada for feito para dispersar campanhas e ajudar os mais vulneráveis no ano todo, ter as campanhas de solidariedade de múltiplas instituições só no Natal, passa a ser só mais um efeito sazonal, ao nível do “All I Want for Christmas is You”, da Mariah Carey, ou dos anúncios da Ferrero Rocher com o motorista Ambrósio!

Obrigado a todos os que lutam por um país mais solidário e melhor. Boas Festas e Feliz 2022!