Vivemos tempos surpreendentes. Os últimos dez meses foram marcados pelas preocupações com a saúde e pelo medo quanto ao futuro. Muitos polacos questionaram não só se iriam evitar o contágio do coronavírus, mas também se conseguiriam manter os seus empregos, se as suas famílias iriam ter a segurança financeira garantida e se os seus filhos não iriam ter que abandonar a esperança por um futuro melhor.
A pandemia do coronavírus podia fazer-nos retroceder realmente aos anos de 1990. Basta olhar para os terríveis dados económicos de alguns países – também na Europa – para perceber que as perspetivas sombrias não eram apenas uma fantasia de um filme catastrófico. Felizmente isso não ocorreu, uma vez que, ao contrário do que aconteceu nos anos de 1990, os Polacos podiam desta vez contar com o Estado, que se envolveu ativamente em organizar a ajuda para todos os que dela necessitavam. O apoio sem precedentes oferecido através do Escudo Anticrise, permitiu-nos abrandar as consequências desastrosas da pandemia provocada pela Covid-19 e travar a descida do PIB em 2020 num nível inferior a 3%, sendo esse o terceiro melhor resultado na Europa e inigualável no grupo dos países grandes com mais de 10 milhões de habitantes. O sucesso ainda mais espetacular é a taxa de desemprego, mantida em 3% – o melhor resultado na União Europeia.
Os seguintes dados confirmam que a economia polaca lidou bem com a crise. Mais de 110 mil milhões de zlótis (PLN) em exportações em março de 2021 são um recorde de sempre. Em maio o índice PMI ultrapassou o nível em 57 pontos, sendo esse o melhor resultado na história deste índice. Há alguns meses, a Comissão Europeia indicou a Polónia como um dos quatro países da União Europeia que assegurou, tanto a curto como a longo prazo, a estabilidade das finanças públicas. Nesta situação só se pode cometer um erro: constatar que está tudo bem e deixar de atuar.
Crise – oportunidade ou catástrofe?
Uma crise da qual não se tiram conclusões é uma catástrofe. Mas uma crise corretamente lida e entendida torna-se numa oportunidade, bem como num catalisador da mudança. Estas duas frases resumem a ideia base do Deal Polaco [Polski Ład, Nova Ordem Polaca].
A crise atual é de tal forma excecional, que não pode ser resolvida com soluções de manuais. Não importa se as vamos procurar em Hayek ou Lasalle, nenhuma teoria de crise económica previu uma situação em que de um dia para outro houvesse uma paralisia da atividade económica e social em quase todo o mundo.
Confrontados com a crise da Covid-19 temos que agir como os médicos contra o coronavírus: na ausência de medicamentos adequados, a nossa experiência diz-nos para tratar os sintomas. A experiência histórica mostra que a resposta à crise deve ser dada mediante o aumento da atividade do Estado, pois a crise – independentemente do setor a que diga respeito – deve ser gerida e não deixada entregue a si própria.
Em 1933 o presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt anunciou o New Deal – a resposta à Grande Depressão, um programa de reformas que consistia em ativar a economia, estimular o comércio exterior e os grandes investimentos públicos – e naquela altura foram construídos 120 mil edifícios públicos e 77 mil pontes. Na década seguinte os Estados Unidos foram cobertos por uma rede de autoestradas. Esse é um cenário de inspiração para a Polónia.
Deal Polaco: uma nova qualidade
Os objetivos do Deal Polaco assentam não só numa reconstrução após a pandemia, mas também na revisão do sistema económico e social polaco, de tal forma que seja mais resistente noutros momentos de crise, que seja mais justo e, ao mesmo tempo, que ajude a Polónia a entrar numa nova fase de desenvolvimento.
O diagnóstico dos problemas pandémicos teve que começar pelo estado do sistema de saúde. A Covid-19 empurrou esse setor para a beira da rutura até nos países mais ricos. Não foi diferente na Polónia. Se não fosse pela política decidida de restrições e pela construção dos hospitais temporários a uma velocidade extraordinária, também o nosso país iria sofrer uma catástrofe epidémica. É, inclusive, difícil de imaginar a escala do caos que pudesse ter tido lugar, se antes não tivéssemos realizado a digitalização de grande parte do sistema de saúde.
Durante os últimos cinco anos os gastos com a saúde pública ultrapassaram o nível de 100 mil milhões de PLN e, mesmo assim, a sua qualidade está longe dos padrões esperados pelos polacos. É um claro sinal de que o atual sistema de financiamento da saúde alcançou o limite. Está na altura de acabar com a filosofia de reorganização. Se queremos dar um salto na qualidade que elevaria a Polónia ao nível dos países do Ocidente, temos que acelerar rapidamente o percurso para destinarmos 7% do PIB ao sistema de saúde.
O paradoxo polaco dos impostos
Tal significa a alteração do modelo de financiamento do sistema de saúde e, assim, também a alteração do sistema fiscal. Até agora, a Polónia tem sido o único país onde uma parte das contribuições para o seguro de saúde era dedutível. A estrutura de todo o sistema permitia àqueles que ganhavam mais uma otimização fiscal relativamente fácil. Assim, apesar do sistema fiscal polaco ser nominalmente progressivo, tornou-se, de facto, num sistema regressivo. As pessoas com rendimentos menores pagam impostos proporcionalmente maiores do que as pessoas que ganham mais.
Essa des-ordem fiscal ofendia não só o sentido de justiça, mas também impedia a coesão social. Aprofundava desigualdades já acentuadas durante a crise.
A crise é como uma grande onda no mar. Move os barcos enormes, mas pode afundar os mais pequenos. Os estudos mais recentes demonstraram claramente que o ano pandémico de 2020 agravou as desigualdades de rendimentos. Os ricos lucraram independentemente da crise, enquanto os mais pobres perderam precisamente por causa das circunstâncias difíceis.
Rumo à Polónia realmente solidária
O Deal Polaco aborda esses desafios porque nasce de um espírito de uma autêntica solidariedade que deve ser compreendida de maneira muito ampla. É uma solidariedade horizontal, no sentido em que se preocupa com a justiça social, a nivelação de desigualdades de rendimentos e apoia os que ganham menos. Para esse fim propusemos que os rendimentos até 30 mil PLN fiquem isentos de imposto, nível que pode ser comparado com o dos países ocidentais – mais alto que em França e comparável com a Dinamarca. Mas o Deal Polaco é também sobre a solidariedade na dimensão vertical, que se poderia chamar de solidariedade entre gerações. Por um lado, retornamos ao passado, apoiando os idosos através das pensões isentas de imposto e regressando aos valores sem os quais é difícil imaginar o futuro da sociedade polaca e de toda a Europa. Por outro lado, queremos tomar conta das gerações futuras e criar fundamentos de desenvolvimento que vão ajudar os nossos filhos a ganharem melhor, a trabalharem em melhores condições e, last but not least, a viverem num ambiente onde se pode respirar ar limpo, em vez de ler sobre ele como se fosse algo de luxo, só para alguns escolhidos.
O início dos anos 20 do século XXI é um momento fundamental para a Polónia. Estamos perante mudanças civilizacionais numa escala sem precedentes. No passado, as circunstâncias históricas apenas nos permitiam observar tais mudanças. Agora temos uma oportunidade de ser os participantes ativos. O roteiro já está pronto. Agora basta que em conjunto realizemos o Deal Polaco. Vamos procurar obter o apoio mais amplo possível para essa estratégia, porque apenas com a aceitação social é que ela pode ter sucesso.
Texto publicado em simultâneo com a revista Wszystko Co Najważniejsze [O Mais Importante] no âmbito do projeto realizado com o Instituto da Memória Nacional e o Banco Nacional da Polónia (NBP).