Há pouco mais de 30 anos, Portugal assinava com a Volkswagen e com a Ford um acordo para a instalação de uma fábrica de automóveis, que haveria de começar a produzir em 1995. A dimensão económica deste projecto – aparentemente o maior investimento estrangeiro de todos os tempos em Portugal e que adquiriu a qualidade de ser o maior exportador nacional – fascinava tudo e todos neste calmo jardim à beira-mar. De facto, é verdadeiramente impressionante como é que uma única operação industrial transfigurou a economia do nosso pequeno país que, na verdade, nunca havia atingido um grande nível de industrialização. Para os economistas liberais mais ortodoxos, esta intromissão do Governo no mundo dos investimentos constituiu uma entorse ao funcionamento livre dos mercados. Mas a realidade é que esta iniciativa passou a representar cerca de 5% do total das exportações portuguesas e 1,5% do nosso PIB. Sem sombra de dúvida um sucesso notório, impossível de ignorar. De tal forma que, quando um estrangeiro nos questiona sobre quais são as nossas principais exportações, temos de engolir em seco para não confessar que são originadas por uma única fábrica da Volkswagen.
Este facto extraordinário, fruto da capacidade e iniciativa do Governo de então, não teve, no entanto, repetição. Ficámos cansados do esforço? Deixámos de ser competitivos face aos países da Europa do Leste que saíram da prisão em que se encontravam desde o final da Segunda Grande Guerra? Achámos que um sucesso em cada 100 anos era o suficiente? O certo é que não são conhecidas novas tentativas deste teor, nem se registaram pressões da opinião pública nesse sentido.
Mas eis que, de repente, surge uma nova janela de oportunidade para a economia portuguesa com a possível exploração de lítio. Foi como se apesar de Maomé não ter ido à montanha, esta acabasse por vir a Maomé. Fruto do que se passa no mundo, as atenções da Europa apontam agora para Portugal como um potencial Eldorado, mostrando o caminho para sairmos da dependência dos combustíveis fósseis, protegendo a economia do abuso perpetrado pelos países produtores da energia poluente.
Sendo verdade que o sol e o vento já podem entrar nas redes eléctricas substituindo o petróleo e o gás, o novo paradigma energético necessita de recorrer a alguns materiais, como é o caso do lítio, que a China, previdente, andou nas últimas décadas a acumular. Ora, por milagre, Portugal tem grande disponibilidade de metais valiosos escondidos debaixo do chão do Nordeste, riquezas que os romanos bem conheciam e exploraram em grande escala. Descobrimos agora que as maiores reservas de lítio da Europa dormem debaixo das rochas transmontanas, e em quantidade suficiente para fabricar baterias para 500 mil carros eléctricos por ano. Para um continente que joga a sua independência face à Rússia e à Península Arábica, e que não quer ficar, em resultado deste processo de despoluição, dependente da China, Portugal aparece como fazendo parte da solução.
Os carros eléctricos precisam de baterias e as baterias actuais precisam de lítio. Os investimentos em fábricas de carros eléctricos e em fábricas de baterias para esses carros têm estado no centro da acção de fabricantes de automóveis e de fabricantes de peças para a indústria automóvel. Mas apesar de todo o entusiasmo da Comissão Europeia com esta nova revolução industrial, o aumento dos custos de energia em resultado da guerra na Ucrânia e os subsídios que o Presidente Biden oferece para quem produzir nos EUA, vieram colocar em questão a viabilidade de alguns desses projectos, como é o caso da grande fábrica de baterias da Northvolt prevista para a Alemanha. Ora, também neste caso, dispõe Portugal de alguns argumentos pois, para além do lítio, produz energia verde a custo mais reduzido que no centro da Europa.
Por muito que custe aos puristas liberais, a intervenção dos poderes públicos será essencial, tal como o foi há 30 anos, para concretizar este novo choque de investimentos, tipo Autoeuropa. As vantagens com que a natureza nos quis prendar, com riquezas minerais e sol abundante, não são suficientes. Um grupo de especialistas multidisciplinar, com a participação do que ainda temos de capital e tecnologia privados, deveria estar a trabalhar 24 horas por dia, simulando cenários e identificando medidas públicas. Pode ser que alguém esteja a fazer qualquer coisa, mas com tal discrição, que a desconfiança de que nada estará a ser feito prevalece. Num país que leva 50 anos para iniciar o projecto de um aeroporto e 30 para o do comboio de alta velocidade, conseguir retirar em tempo útil 60 mil toneladas de lítio do subsolo, pode revelar-se um exercício muito complicado.
Se, num cenário destes, Portugal leva falta de comparência, não pode haver perdão.