«Foi claro que até ao 25 de novembro, a revolução andava sem motor e em rota livre. Já há muito se devia ter reconhecido que os partidos democráticos devem ser os verdadeiros motores da política portuguesa». (Francisco Sá Carneiro, Conferência de Imprensa, 28 novembro 1975)
«25 de novembro e rigor histórico – opinião: quem foi derrotado no 25 de novembro? Há dois derrotados: a 25, claramente a extrema-esquerda militar; a 26, todos os que queriam usar a derrota do dia anterior para proibir o PCP (Partido Comunista Português)». (Público, José Pacheco Pereira, 7 outubro 2023)
O 25 de abril de 1974 (1) e o 25 de novembro de 1975, simbolizam marcos históricos de ruptura, reconciliação e consolidação, de luta e transformação política pela liberdade e democracia em Portugal. Enfatizam a jornada transformadora do país desde a revolução dos cravos até à estabilização política. São os caminhos da democracia portuguesa, que reflectem a transição entre a revolução abrilista que pôs fim ao Estado Novo (liderado por António de Oliveira Salazar e posteriormente por Marcello Caetano) e a 48 anos de ditadura, trazendo a liberdade e profundas mudanças políticas, e o Portugal do 25 de novembro de 1975 e pós, que é visto como um momento de afirmação, maturação e estabilização democrática após um período de ruído e intensa turbulência política, militar, ideológica e partidária.
O 25 de novembro de 1975 é uma data distintiva e facto histórico significativo na História de Portugal, de contemporaneidade recente e crucial relevância pelo avigoramento consolidado da jovem democracia portuguesa. E depois do adeus à ditadura, após o 25 de abril de 1974, Portugal viveu um período de instabilidade política activa, temporalmente intensificada com o PREC (Processo Revolucionário em Curso). Período durante o qual houve diferentes facções (do latim, factio,onis, com o sentido e significado de grupo de indivíduos partidários de uma mesma causa, em oposição à de outros grupos, de antagonismo assumido e rivalizando entre si, com vista à supremacia política), com diferentes ideologias e influências doutrinárias distintas, que se digladiaram, desde a esquerda radical e radicalizada aos democráticos moderados.
O 25 de novembro de 1975 foi uma tentativa falhada de golpe militar protagonizado por sectores mais radicais dentro das Forças Armadas, de índole revolucionário de esquerda. O golpe de Estado não se concretizou graças à intervenção contrária opositora de forças militares moderadas, com uma acção determinada, decisiva, enfrentando e contendo o levante, de forma musculada q.b., em enfrentamentos limitados, de final definitivo e assertivo, lideradas por figuras do MFA (Movimento das Forças Armadas), caso do então Chefe do Estado-Maior do Exército, general António Ramalho Eanes, membro do Conselho da Revolução.
Em síntese, a crise de 25 de novembro de 1975 foi uma movimentação militar e ocupação de quartéis levada a cabo por parte das FAP (Forças Armadas Portuguesas), com a extrema esquerda militar a tomar pontos estratégicos da capital, e o país a entrar em estado de sítio (que significa e configura um estado situacional de emergência nacional e excepção ao regime constitucional vigente, por grave ameaça ou perturbação). Ao golpe e tentativa de sublevação esquerdizante opôs-se a direita militar com um contragolpe; acção levada a cabo pelo Regimento de Comandos da Amadora. É decretado o estado de sítio em Lisboa.
Um ano e meio depois da Revolução-primavera libertária de abril de 74, o país estava em convulsão tensional político-ideológica militar e crispação partidária. O «verão de 75» foi politicamente escaldante e chegados a novembro, Portugal estava à beira da guerra civil. Das partes beligerantes em contenda, do lado da «esquerdofilia», Otelo Saraiva de Carvalho, que chefiava o COPCON (Comando Operacional do Continente), distribuiu milhares de metralhadoras G-3 a grupos esquerdistas, politicamente simpatizantes do ideário do esquerdismo reinante à época. Teve a oposição do que chamamos de «centrofilia» e da «direitofilia», a direita militar chefiada por Ramalho Eanes e Jaime Neves (comandante do Regimento de Comandos na Amadora). Uma questão toda ela militar, com golpistas e contra-golpistas, entre os extremos da radicalização e da moderação, na escolha do caminho para o futuro de Portugal.
Em contextualização, o 25 de novembro de 1975 encerra-culmina a viagem feita de caminhos que vão das tensões-divisões políticas e ideológicas revolucionárias após o 25 de abril de 1974, às reformas sociais, passando pelas nacionalizações de sectores-chave da economia, de visões de vanguarda radicalizantes colidentes com o contraditório mais conservador, passando pelos militares, sociedade civil, partidos políticos, do radical medo-cnidose (do grego, kníde, urtiga, knídosis, que causa urticária) do comunismo, da pertença efectiva do poder político e da governança, se civil ou militar, de evitar qualquer deriva política radical, do fim do período revolucionário, de restaurar a ordem pública e da consolidação enraizada da juvenil e frágil democracia portuguesa.
A vida é feita de momentos, como a democracia é feita de momentos. O 25 de novembro de 75 é olhado como o momento da verdade da democracia portuguesa. Apresenta a identidade consolidante rumo a uma nova ordem-tempo pós-revolucionário. É o dia-momentum de afirmação-estabilização do sistema democrático luso-portugaliano. Simboliza a derrota do radicalismo, dos radicais e da radicalidade esquerdopata. Mais, possibilitou o clareamento político de estagnação pantanosa, ao permitir a implementação de uma democracia representativa e parlamentar, e afastando a veleidade-possibilidade de uma ditadura de tipo comunista, militar, ou de «sovietização» da Pátria-Mãe.
Não partilho do reducionismo político histórico, de visão maniqueísta entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, de confrontação entre o ideal de democracia ocidental e o totalitarismo soviético e, à época, em termos de política externa e de internacionalização do caso português (na cena e política internacional), do vaticínio de Henry Kissinger, secretário de Estado norte americano do presidente-administração Richard Nixon, de um desfecho-nebulosa revolucionário para uma «russificação» de um Portugal bolchevique (de esquerda); só que já não estávamos em 1917.
Historiando, o PPD (Partido Popular Democrático), que a posteriori (do latim, posterior,ius – tendo em conta o que é posterior, posteriormente) se tornou no PSD (Partido Social Democrata, em 3 de outubro de 1976), foi fundado em 6 de maio de 1974 (e legalizado em 25 de janeiro de 1975, no Supremo Tribunal de Justiça) por iniciativa de um grupo liderado por Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Joaquim Magalhães Mota, juntamente com outros dissidentes (divergentes, discordantes). Donde, ser facto político e histórico-partidário que o PPD/PSD já existia politicamente à época, e aquando do 25 de novembro de 1975.
O PPD, sob a liderança de Sá Carneiro (2), actuou como uma força político-partidária responsável, que defendia uma acção política mais moderada e liberal dentro do processo revolucionário em curso, e em resvalo para a esquerda ultra (do latim, ultra, de teorias extremas, extremista); foi importante e fez a diferença, pela positiva, na promoção da estabilidade democrática, na sequencialidade de eventos e acontecimentos seguintes. Historicamente, inicialmente disputando o centro-esquerda, evoluiu para o centro, centro-direita e direita política moderada. Donde, ser factum est que Sá Carneiro e o PPD estiveram directamente envolvidos no contexto histórico, político e partidário do 25 de novembro de 1975.
Mais, o 25 de novembro foi um dia marcante para Portugal, pela confrontação significativa directa entre grupos das Forças Armadas Portuguesas de esquerda política mais radical, e forças militares mais moderadas e em união pelo combate à tentativa falhada de radicalização da «Revolução septa quatro», dentro do MFA e da sociedade civil, tendo uma acção decisiva na protecção da democratização do Portugal saído da ditadura, com uma acção resolutiva e determinante do Exército Português, com o apoio de políticos e civis na neutralização da intentona. Marca o pulsar entre forças de esquerda, de instrumentalização e radicalidade comunista, e a moderação do centro-esquerda socialista, centro-direita e social democrata, com posições políticas mais conservadoras, dos costumes, e liberais em questões económicas.
Em síntese frisada contextualizada, a culminar, o 25 de novembro de 1975 representa uma inflexão na Revolução do 25 de abril de 1974. Em apresentação política e memória histórica, patenteia a complexidade confrontacional das forças-facções naquele tempo-momento, a transição do período tensional entre forças radicais de esquerda e forças moderadas do socialismo e da social democracia, com o desiderato (do latim, desideratum, com o sentido de aspiração, desejo, alvo, fim, objectivo, propósito) final de consolidação da democracia em Portugal. A data tem o mérito-consequência de consolidar a posição das forças moderadas e pavimentar o caminho da liberdade e da democracia em Portugal, da reorganização do MFA, do reforço do governo provisional (transitório, provisório-interino), do encaminhamento-remeter das Forças Armadas para uma posição mais neutra, de neutralidade e não intervencionista, do protagonismo político partidário, da implementação de um sistema democrático pluralista, pluripartidário, da paulatina passagem-testemunho do poder político revolucionário militar para o poder político civil, e da criação de uma nova Constituição da República em 1976 – lei fundamental do país e que vigora actualmente. Ao longo do tempo constitucional quase cinquentenário da democracia portuguesa, a Constituição tem sofrido revisões no sentido e propósito da sua adequação aos princípios da economia de mercado em vigor na União Europeia. A talhe de foice, pensamos ser tempo cronológico e hora política de uma nova Constituição da República Portuguesa.
Com o enfraquecimento do esquerdismo fanático após o 25 de novembro de 75, houve um fortalecimento-dominância das instituições democráticas, a que se seguiram reformas políticas necessárias. A adopção da nova Constituição de 76 legitimou o novo regime político democrático. Também se realizaram as primeiras eleições: legislativas e presidenciais; o voto livre e o livre arbítrio dos portugueses em consciência foi, em concreto, uma realidade concretizada. Um ano antes, em 25 de abril de 1975, realizaram-se as eleições para a Assembleia Constituinte (3) Portuguesa, as primeiras eleições livres com sufrágio universal (direito de todo o cidadão de votar e ser votado, com garantia de transparência e apuramento dos resultados finais). Realizadas as eleições de abril de 1975, acentuaram-se as divergências entre os diversos actores políticos, com diferentes projectos políticos, com Portugal politicamente em espasmo(s).
Donde, o 25 de novembro de 75, ter na identidade histórica, o mérito de combate à tentativa de radicalização da Revolução de 25 de abril de 74, tendo como resultado final o fim do PREC (4) e possibilitando um processo de estabilização e consolidação da democracia representativa em Portugal, representar a nova ordem democrática portugaliana em liberdade, com o país politicamente estável e democraticamente amadurecido, tolerante, em alteridade política e funcional, com reconhecimento dos direitos cívicos, exercício da cidadania e direito de voto, e futura adesão-integração europeia. A consolidação do «Estado de direito» significa que o exercício do poder público passa a estar submetido a normas e procedimentos jurídicos de constitucionalidade e legalidade das decisões tomadas pelas autoridades públicas. O «Estado de direito democrático» significa que o exercício do poder se baseia na participação, no controlo e no escrutínio popular.
A fechar, a sugestão da evidência «25» constatada – abril de 1974 e novembro de 1975 são «irmãos políticos» que se complementam, completam e consumam na liberdade e na democracia que vivemos hoje em Portugal. A «abrilada de 74» simboliza a liberdade, mais que tudo. A «novembrada de 75» afirma a democracia, mais que tudo. Donde, se abril é feriado nacional, e bem, justifica-se, e bem, que novembro também o seja e que passe a ser dia de feriado nacional, pela mais elementar lógica, logicidade e racionalidade libertária-democrática factual política, em homenagem aos ideais-centralidade da liberdade e da democracia.
«O Povo é quem mais ordena»!