Quando, na segunda volta das eleições legislativas, a Extrema-Esquerda, a Esquerda, o Centro e o Centro-Direita se aliaram numa “frente antifascista” para impedir a vitória do Rassemblement National, Marine Le Pen disse duas coisas: que a aliança contra-natura para a pôr fora de jogo e aos 11 milhões de franceses que representava ia tornar o sistema ingovernável; e que o tempo jogava a seu favor.

O que aconteceu a seguir veio dar-lhe razão: o Rassemblement National tornou-se o árbitro da política francesa.

O Nouveau Front Populaire de Jean Luc Mélenchon que, por obra e graça de uma geringonça eleitoral de um dia, pôde nomear um candidato a primeiro-ministro, escolheu Lucie Castets, uma obscura burocrata adornada com todos os adereços ideológicos e políticos do Wokismo. Porém, o presidente Macron achou que Castests não reunia condições para formar governo e foi à procura de outra solução. Primeiro pensou em Xavier Bertrand mas depois arrepiou caminho e escolheu Michel Barnier, um tecnocrata do partido Les Républicains.

Xavier Bertrand, o auto-intitulado “inimigo número 1 do Rassemblement National”, tinha sido chumbado por Marine, que, a 3 de Setembro, dissera a Macron que os deputados do Rassemblement nunca deixariam passar um governo chefiado por quem “não tinha coluna vertebral”, “não respeitava as oposições” e encarnava “o pior do sistema”; e que exigia para Matignon alguém que soubesse respeitar os milhões de franceses que tinham votado no Rassemblement National. Ao contrário de Bertrand, Michel Barnier tinha uma percepção sobre a imigração próxima dos nacionais-populares e nunca – segundo Le Pen – fora arrogante ou insultuoso para com a oposição nacionalista. Além disso parecia aberto a um modo mais justo, ou seja, mais proporcional, de escrutínio eleitoral. 

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As expulsões e convocações de Antoine Armand

Já depois da nomeação do gabinete, a 24 de Setembro, Antoine Armand, o novo ministro da Economia, Finanças e Indústria de Barnier, talvez esquecido da realidade política e parlamentar francesa, repetia a atitude insultuosa de Bertrand e dava origem a outro episódio: num gesto de “Centrão” arrogante, intimava a esquerda do Noveau Front Populaire a votar pelo novo Governo sob pena de “traição ao arco republicano” e conluio com os nacionalistas. Do lado da Esquerda a resposta  veio indignada: fora o Centrão, a Macronia, que traíra o “arco republicano”, recusando Lucie Castets e fazendo causa comum com o Rassemblement.

Armand é um ex-aluno da École Nationale d’Administration, o berço da tecno-burocracia francesa das últimas gerações, e foi convocado quando Laurent Wauquiez, a primeira escolha de Barnier para as Finanças, recusou o lugar. Wauquiez queria o Ministério do Interior, entregue a Bruno Retailleau que, em 2022, se abstivera na segunda volta entre Marine Le Pen e Emmanuel Macron, ganhando assim créditos junto do Rassemblement.

Os donos da bola

Ao declarar, a 24 de Setembro, à France Inter, a sua abertura ao “arco republicano”, excluindo o Rassemblement National e convocando a Esquerda e os radicais de La France Insoumise, Antoine Armand comprometia a aprovação do governo de Barnier, que dependia dos 126 votos do Rassemblement.

Marine Le Pen pediu explicações ao chefe do governo que lhe apresentou desculpas e chamou o jovem Armand à ordem: o ministro que tivesse em relação ao Rassemblement National a cortesia devida, até porque o governo dependia do partido de Le Pen. E que apresentasse desculpas.

Segundo Carl Meeus do Le Figaro Magazine, Barnier vinha em quarto ou quinto lugar na lista inicial de Macron, depois de Xavier Bertrand, de Bernard Cazeneuve, e de  um par de tecnocratas. Fora o poderoso secretário-geral do Eliseu, Alexis Kohler, que insistira no seu nome. Barnier tinha sido ministro de Chirac e de Sarkozy e, nos últimos anos, aproximara-se das posições dos nacionalistas quanto à Europa e à imigração. Era, por isso, o único a poder contar com a benevolência, ou pelo menos com a “dúvida espectante”, de Le Pen.

Assim, por obra e graça da geringonça que os afastara do jogo, os nacionais populares passavam a ser os donos da bola.  Entre o républicain de Matignon e o ensembliste do Eliseu  havia agora um árbitro, por insultável que fosse:  a national-populiste do Palais Bourbon. Um terceiro elemento oportunisticamente excluído do poder mas que se revelara, inesperadamente, o dono da bola; alguém capaz de pôr fim ao jogo se quisesse, quando quisesse e conforme lhe conviesse.