Os ataques terroristas que assolaram recentemente o Reino Unido vieram para ficar. Outros se seguirão. Variarão apenas na letalidade e no grau de complexidade. Os analistas explicam estes e outros acontecimentos semelhantes como atos do projeto de dominação global do Daesh, uma das grandes ameaças à paz mundial e à estabilidade das democracias europeias.
Nada de mais errado no que respeita à Europa. E perigoso. Contaminados por esta explicação simplista ficamos impedidos de perceber o problema crucial que aflige as nossas sociedades.
Estes ataques não foram orquestrados pelo Daesh. No seu estertor, acossado em Raqqa e Mosul, o Daesh não tem capacidade para desferir estes ataques. Houve casos de maior complexidade como os de Paris e Bruxelas em que é possível identificar alguma relação orgânica com o Daesh. Mas esses casos foram uma minoria.
A explicação é muito mais complexa. Os dirigentes europeus terão de perceber uma vez por todas que o Daesh não é uma ameaça existencial para a Europa. Nem o Islão nem os muçulmanos que vivem na Europa, mas sim a radicalização cada vez maior de largos setores da população muçulmana europeia, de que os ataques de Londres e Manchester são uma expressão. Isso é particularmente evidente no Reino Unido. Estes ataques foram apenas manifestações de um movimento social na forja, de motivações sectárias, que poderá evoluir para um movimento político de massas. O Daesh será derrotado no campo de batalha — em Raqqa e Mosul — mas estes ataques irão continuar porque os seus autores são autóctones e autónomos, e não precisam do Daesh para sobreviver.
Os waabitas controlam seis por cento das mesquitas no Reino Unido e os fundamentalistas Deobandi cerca de 45%. A radicalização é feita maioritariamente nas mesquitas, nos ginásios e nos centros culturais islâmicos, e não na internet como é frequentemente afirmado. Segundo estudos recentemente efetuados, cerca de um terço dos muçulmanos britânicos sentem que não fazem parte da cultura britânica; cerca de 30% dos muçulmanos britânicos nunca entraram na casa de um não muçulmano. Como se isto não bastasse, cerca de metade dos muçulmanos britânicos têm menos de 25 anos, enquanto que um quarto dos cristãos têm mais de 65, o que nos dá indicações claras sobre o que será equilíbrio social no país dentro de duas décadas.
Em Londres, existem cerca de 100 tribunais reconhecidos oficialmente que praticam a Sharia, inseridos num sistema paralelo de justiça tornado possível graças à implementação de um sistema alternativo de resolução de conflitos. As sufragistas que lutaram heroicamente pelos direitos das mulheres devem estar a dar voltas no túmulo, ao verem os direitos que custaram tantas vidas serem conquistados agora destruídos num ápice com base na tolerância. O facto de existirem mais muçulmanos britânicos a combaterem nas fileiras do Daesh do que nas Forças Armadas do Reino Unido é revelador do nível de integração social de alguns setores da comunidade islâmica na sociedade britânica.
Muito mais haveria a dizer sobre a matéria. Contudo, não poderemos deixar de referir que este fenómeno não se combate colocando militares na rua a fazer patrulhas. Estas respostas servem apenas para mostrar à opinião pública que se está a fazer alguma coisa. Só por obra do acaso serão capazes de parar um ataque terrorista. Não são o instrumento adequado para combater esta ameaça. É fundamental envolver os segmentos moderados da comunidade muçulmana neste combate. Não podem de modo algum serem postos à margem nesta luta. Serão seguramente os aliados mais eficazes nesse confronto.
Chegámos a este ponto porque os dirigentes britânicos não foram capazes de distinguir tolerância de condescendência. Com a sharia não pode haver tolerância. Quanto mais se tardar a perceber o equívoco pior será.