Espera-se que as altas instâncias do Estado defendam em todas as circunstâncias o interesse nacional. Contudo, parece que isso nem sempre acontece. No caso em concreto, referimo-nos às indústrias de defesa e ao concurso para aquisição das viaturas blindadas ligeiras de rodas para o Exército. O ministro Aguiar-Branco decidiu delegar essa aquisição na NSPA, uma agência da OTAN que, entre outras atribuições, é especializada na aquisição de equipamentos militares. Na prática, trata-se de pagar a alguém para fazer uma compra por nós, para nós. Dizemos-lhe o que queremos comprar, ou seja, definimos os requisitos e as especificações técnicas do equipamento que pretendemos adquirir, e a NSPA vai ao mercado comprar.

À partida, essa opção que envolve naturalmente custos para o erário público – e não são poucos, a NPSA não trabalha à borla -, teria a vantagem de poder ultrapassar as recorrentes contestações feitas pelos candidatos derrotados. Em princípio, haverá uma maior inibição em contestar concursos organizados pela NSPA. Contudo, não deixa de ser difícil de aceitar que se subcontrate exteriormente um serviço que poderia e deveria ser efetuado pelos organismos do Estado.

Esta opção cómoda é, na prática, lesiva dos interesses nacionais. Porquê? Porque Portugal perde o controlo do processo; e se auto exclui de potenciais parcerias industriais. As dificuldades em envolver a indústria nacional aumentam exponencialmente. Diminui a possibilidade de se criarem postos de trabalho em Portugal e de o país ganhar com transferências de tecnologia.

Seria muito importante que esses concursos fossem ganhos por consórcios liderados por empresas portuguesas. Parece que os decisores não recuperaram ainda da experiência traumática das viaturas Pandur II, quando se entregou a sua fabricação a uma empresa constituída de propósito para o efeito, sem provas dadas no mercado e, em última análise, inexperiente no negócio. Para além de sermos cobaias. Tratava-se de uma viatura que não tinha dado ainda provas; para além da Áustria, de onde é originária, não tinha sido adquirida por mais nenhum país. Foi uma decisão errada. Mas decisões erradas não se corrigem com decisões erradas. Situação semelhante ocorre com a aquisição de veículos aéreos não tripulados (UAVs). Existem em Portugal projetos de investigação e desenvolvimento financiados pelo erário público, assim como empresas nacionais que trabalham no mesmo segmento dos UAVs que se pretendem adquirir.

Se Portugal controlar o processo de aquisição, se não o delegar num agente externo, poderá certamente efetuar uma escolha que melhor proteja o interesse nacional; que privilegie o investimento no país. Se têm dúvidas, vejam as opções do Estado espanhol nesta matéria. Compreendemos as dificuldades de se voltar atrás no caso em apreço. Os contactos com a NSPA estão a ser feitos e os termos do contrato estarão para ser homologados pelo MDN a curto prazo. Assim voltar atrás seria pouco curial.

Esperamos que não se repitam decisões semelhantes nas restantes aquisições que se avizinham, muito em particular para o Exército (arma ligeira, viaturas blindadas médias, etc.), pela sua dimensão. Não faria sentido replicar o modelo já utilizado outrora para o fabrico da vetusta G3, envolvendo a indústria nacional? Em pano de fundo, estão em choque duas opções estratégicas opostas. Ou ir ao mercado e comprar o que já existe, ou negociar a produção em Portugal, sempre que exista capacidade e conhecimento para o fazer. Dispenso-me de elaborar sobre as vantagens de produzir em Portugal. Pensar o contrário, desculpem-me a arrogância, é trair o interesse nacional.

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