A necessidade de descentralizar competências em educação tem marcado vários avanços legislativos desde final dos anos oitenta. O consenso sobre essa necessidade gira em torno de pelo menos três ideias fundamentais. Primeiro, alcançar mais eficiência e rapidez, reduzindo burocracia e aproximando o local da tomada de decisão do de atuação. Segundo, promover uma maior participação e mobilização dos atores locais, aprofundando a vida democrática. Terceiro, responder a particularidades e necessidades locais, facilitando soluções diferenciadas que melhor se adaptem aos contextos em causa.

Apesar disso, o sistema português mantém a centralização como característica dominante. É, segundo a OCDE, dos países em que a maior percentagem de decisões é tomada pelo governo central, que continua a concentrar as questões chave do ensino.

Várias foram as iniciativas que, nos últimos quatro anos, vieram dar um novo impulso aos esforços de descentralização, desde o Projeto-piloto “Aproximar Educação”, em 2015, ao mais recente processo de flexibilização curricular. Municípios, escolas e outros parceiros locais foram desafiados a tomar decisões estratégicas e a escolher e concretizar mudanças. Mas os caminhos da descentralização são difíceis de desbravar e estão repletos de desafios. É sobre alguns deles que me proponho a refletir.

1 Não se trata apenas de redistribuir competências, há questões de poder e recursos com impacto nas relações entre intervenientes locais.

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O confronto de interesses sobre quem deve ter competências – e em que matérias – na educação de crianças e jovens coloca-se com particular premência em contextos pequenos, onde muitos se conhecem e se cruzam. Maior capacidade de decisão também implica maiores responsabilidades, que são por vezes difíceis de assumir.

A ideia de proximidade para uma resolução mais rápida e eficaz de problemas surge acoplada a uma visão da câmara municipal enquanto fornecedora de recursos para as escolas, colocando-lhe uma maior e permanente pressão.

Existem casos que apontam para a vontade de um maior protagonismo do poder local aliado às direções das escolas, mesmo que isso implique atuação em áreas de competência escolar. Por exemplo, enquanto porta-voz junto da tutela para propor um ano de integração a alunos recém-chegados ao país para se focarem na aprendizagem do português ou na definição de uma meta concelhia de eliminação da medida de retenção.

Persistem, noutros casos, resistências por parte dos atores escolares em relação a estes processos, por receio de marcarem um início de uma qualquer municipalização ou de a sua ação ser mais controlada. Nesses, a disponibilidade de diálogo e o reconhecimento da legitimidade do poder local enquanto interveniente é problemática.

2 Não é evidente a colaboração entre atores para pensar estrategicamente o local.

A assunção de uma lógica concelhia por parte de muitos profissionais e cidadãos acostumados a lidar sobretudo com os problemas das “suas” escolas não é automática: como podem refletir sobre realidades que desconhecem?

A colaboração que se espera esbarra, em muitos contextos, com um ambiente competitivo entre escolas. Tal dificulta seriamente a construção de uma visão concertada e estratégica.

Por vezes os tradicionais intervenientes em educação não são suficientes para pôr em prática os processos de descentralização. Seja por falta de recursos humanos ou de capacidades específicas, o cada vez mais recorrente recurso a especialistas não dispensa a clarificação de competências e funções. O mesmo se aplica ao trabalho em rede com outras entidades e serviços públicos do território local para respostas articuladas aos alunos.

Uma nota ainda para os casos em que faria sentido que a reflexão estratégica sobre o local não coincidisse com os limites administrativos dos concelhos, mas considerasse vários concelhos de reduzida dimensão ou áreas de influência escolar mais alargadas. Como se colocaria aí a questão da necessária colaboração intermunicipal?

3 Mudanças e inovações precisam de mais tempo e planeamento.

As políticas de descentralização foram marcadas pela instabilidade e inúmeras vezes alteradas com fins de ciclos legislativos. Um certo desalento acompanha aqueles que, entusiasmados com o começo de alguma iniciativa, viram compromissos alcançados serem desfeitos e as suas expetativas defraudadas.

A pressão para a mudança e a inovação inunda câmaras e escolas com projetos múltiplos, precipitando a ação. É certo que são eles quem melhor saberá quais respostas serão as adequadas às suas características e contextos, havendo todo um leque de possibilidades para flexibilizar e diversificar soluções. Todavia, sem tempo para refletir e se colocar de acordo sobre as finalidades, mobilizar todos os intervenientes e planear todo o processo e a sua monitorização, as mudanças não são sustentáveis.

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.