O cancro é a doença deste século. De acordo com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, trata-se de “uma das doenças com maior incidência em Portugal e no mundo, estando associado a importantes implicações a nível físico, psicológico e social. Habitualmente conduz a uma qualidade de vida diminuída, sendo um dos principais problemas de saúde do século XXI.”. Por isso mesmo, as consequências de uma enfermidade oncológica afetam, claro, a pessoa que é portadora da mesma, porém não só, influenciando o círculo familiar e amical mais próximo.

Infelizmente, desde 2020 que convivo com uma situação deste tipo. A minha mãe foi diagnosticada, nesse ano, com um cancro pulmonar, tendo sido identificado no estágio IV, isto é, o mais gravoso e com metástase associada. Durante estes quatro anos, conseguiu-se, a mal ou a bem, estancar o avanço da patologia; contudo, agora, com a pioria do estado de saúde da paciente, foi necessário avançar com a quimioterapia. Encontramo-nos, pois, nesta fase, que certamente acarretará custos maioritariamente emocionais para todas as pessoas envolvidas.

A descoberta deste tumor maligno é frustrante por vários motivos. Em primeiro lugar, porque o cancro do pulmão, quer a nível nacional, quer no panorama global, é o que tem maior taxa de mortalidade e, contudo, ainda não é enfrentado como tal. Em Portugal, por exemplo, gastamos muito em informação, rastreios e prevenção do cancro da mama – e bem – mas não existe uma importância de tamanho grau atribuída à dimensão pulmonar. E tal desigualdade conduz-me ao segundo motivo de desgosto: é que a minha mãe começou a revelar os sintomas compatíveis com esta doença e, num espaço de poucas semanas, foi diagnosticada como doente oncológica. Isto é, passou de ser uma pessoa saudável para uma utente com o pior nível de desenvolvimento do cancro do pulmão em pouquíssimo tempo. Chega a ser estranho e profundamente revoltante perceber como nenhum serviço da saúde, incluindo o médico de família, chegou a detetar o avanço de uma moléstia tão maligna.

A minha mãe nunca fumou. Pelo menos, de forma ativa, visto que, como todos nós, presumo eu, já passou por fumadores na rua que, muitas vezes de forma completamente indelicada e negligente, fazem questão de não ter cuidado com o fumo. Todavia, não é por percorrermos alguns segundos ao lado de quem “usufrui” do seu cigarro que adquirimos imediatamente cancro mais tarde. E a minha mãe não frequentava sítios de elevado consumo tabágico. Os únicos dois aspetos que conheço da sua vida que podem ter contribuído para este desenlace penoso foram o trabalho que a minha mãe exerceu durante algum tempo da sua juventude numa fábrica que, essa sim, emitia elevados níveis de fumaça; e a nossa primeira casa, que tinha uma estrutura antiga e era relativamente fria e húmida. Concedo que, sim, não são as melhores condições de vida, mas daí a obrigatoriamente desenvolver uma patologia destas? É um desencanto saber que ela pertence ao grupo dos 15% que têm cancro do pulmão sem terem hábitos de fumador. Tem sido um autêntico Euromilhões invertido –aquele que fica connosco a 100% e não precisamos de entregar nada do prémio ao Estado…

Conviver com alguém que é portador de situação oncológica envolve muita complexidade. Muitas vezes o discurso fatalista e desmoralizador instala-se, levando a conversas tão lúgubres sobre a incapacidade e a morte. E não raras vezes compreendemos que a sociedade não se importa com quem se encontra com este problema grave. Em primeiro lugar, porque doenças como esta têm proliferado devido, entre outros problemas, à qualidade do ar, a qual urge ser melhorada com medidas de apoio ao ambiente que, por outro lado, nem sempre agradam a empresas e políticos. Existe uma espécie de acordo tácito baseado no lucro da doença ou, então, na indiferença perante questões que ainda não se encontram tão presentes ou permanecem mais ocultadas e desconhecidas, portanto, não valorizadas. Em simultâneo, sentir que se carece de uma rede de suporte social, com a falta do auxílio de amigos e família, contribui muito para a perda de vitalidade da pessoa na condição assinalada, bem como para a diminuição progressiva da coragem e da resistência dos poucos que a assistem com maior proximidade.

Este é só mais um caso em que várias esferas da vida social atacam, piorando um quadro já de si pouco animador. Enquanto filho, aguardo que o futuro seja mais risonho para a minha mãe, que, tendo sido a minha cuidadora, agora exige a minha proteção. E que todos os que conhecem o cansaço e o sofrimento dela possam prestar um maior amparo – visto que nunca sabemos o nosso futuro e em que condições de vida chegaremos até ele, sendo nosso dever mostrar solidariedade enquanto seres humanos que somos.

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