“O Ministério Público arquivou o inquérito relacionado com o corte de árvores na serra da Lousã em 2023, que tinha motivado queixa da Câmara Municipal, considerando que não há indícios de qualquer crime. … Sobre a queixa da Câmara da Lousã, a procuradora do Ministério Público notou que o município não apresentou elementos que resultem em indícios suficientes que permitam “concluir se foram ou não cortadas árvores” que eram propriedade da autarquia. Além disso, os factos reportados pelo município variaram ao longo do processo. Se aquando da denúncia o município afirmava que haveria um prejuízo, no mínimo, de “cerca de 30 mil euros”, posteriormente, o próprio presidente da Câmara, Luís Antunes, afirmou, em sede de inquérito, que os prejuízos seriam de 325 euros. Para o Ministério Público, o “próprio município da Lousã contradiz-se nos elementos que foi juntando aos autos, sem indicar qualquer motivo para tais discrepâncias”.”
A citação que faço é de uma peça do diário “as Beiras” que pode ser lida aqui.
O Observador noticiou, há meses, este caso, como se pode ver aqui. Ou aqui.
De resto, entre Outubro e Novembro de 2023 o que não faltam são notícias e tomadas de posição (nomeadamente de parte das ONGs de ambiente, mas também de partidos políticos, entre outros) que dizem respeito a este caso, frequentemente referindo-se a este corte de árvores como sendo ilegal.
Ainda em Maio de 2024 a Assembleia da República fez uma audição sobre o caso.
Todo o barulho feito à volta do assunto deu origem a petições (esta assinada por quase vinte mil pessoas, outras com menos assinaturas) e mesmo campanhas de crowdfunding tendo como beneficiária a empresa que fez a queixa (e depois a retirou tendo pago 130 mil euros ao acusado para comprar a sua posição contratual em relação às árvores que estavam a ser cortadas, de acordo com o despacho de arquivamento).
O que está em causa, desde o princípio, é uma discordância de algumas pessoas em relação a uma operação de gestão florestal normal, o corte de árvores que foram criadas para esse fim.
Num país com um problema gravíssimo de falta de gestão dos espaços florestais, e um problema grave de competitividade na produção florestal, é espantoso como uma diferença de opinião sobre uma operação normal de gestão florestal desencadeia todo o barulho que foi feito, mas mais grave é o que este caso demonstra de fragilidade institucional relacionada com a gestão da paisagem.
A base para as acções legais intentadas é uma divergência sobre questões de propriedade, como aliás acaba por concluir o Ministério Público.
Não é a discussão, eventualmente judicial, dessas divergências que indigna boa parte da opinião pública e publicada urbana, é a acusação de que está a ser cometido um crime.
Aparentemente, os principais promotores do processo judicial não têm problema nenhum em acusar outras pessoas de serem criminosas, lançando uma campanha baseada na ideia de que cortar árvores é errado e, eventualmente, um crime.
As pessoas que contestavam o corte de árvores, por razões que até podem ser razoáveis, mas que dizem respeito apenas a si próprias, acharam por bem tentar transformar o seu interesse individual numa questão colectiva, com base em tretas sobre conservação do património natural e na exploração emocional da ideia urbana de que cortar árvores é intrinsecamente mau, mesmo no quadro da exploração florestal normal.
Até aqui, está tudo dentro da conflitualidade social aceitável, e há tribunais para dirimir estas questões, e tudo ficaria por aqui se não fosse tão frágil o contexto social e institucional relacionado.
O que torna este caso exemplar é a facilidade com que se aceita a acusação de que um terceiro é criminoso, sem a menor verificação dos factos e sem esperar pela análise judicial dos factos, apenas porque, no quadro da sua actividade profissional, estar a cortar árvores.
As ONGs de ambiente, os partidos, e mais não sei quantas pessoas individuais, sem a menor avaliação factual e jurídica, partiram à desfilada por entre acusações de terceiros serem criminosos.
Mais grave, muito mais grave, a generalidade da imprensa, que ecoou as acusações que hoje se sabe serem infundadas, não se interessou minimamente pela informação de que tinham acusado falsamente alguém de ser criminoso – ou pelo menos repetido a acusação de terceiros –, demonstrando que para a generalidade da imprensa é irrelevante saber se alguém acusado justa ou injustamente.
O cúmulo da degradação institucional, no entanto, é a actuação da administração pública, neste caso da Câmara da Lousã, que inventa uma acusação sem qualquer base, como o processo demonstra, apenas para responder à pressão política dos seus eleitores.
Eleitoralmente é compreensível, quem vive da exploração florestal representa meia dúzia de votos, quem acha um horror cortar árvores representa milhares de votos, mas há limites institucionais e legais para este tipo de raciocínios.
Ter um órgão do Estado a difamar terceiros com base em coisa nenhuma, apenas porque pode e beneficia com essa sinalização de virtude, está muito para lá do admissível e é uma demonstração aterradora do estado miserável do contexto institucional em que vivemos.