Blair e Giddens não se cansaram de reclamar a Terceira Via como uma invenção sua. Seria difícil subestimar o impacto tremendo do conceito da Terceira Via na esquerda europeia. É certo que a justificação “filosófica” do conceito foi levada a cabo principalmente pelo uber-cool Giddens, mas as parcerias público-privadas e a ideia de que o dinamismo do liberalismo poderia ajudar a viabilizar o estado social, dois elementos centrais da Terceira Via blairiana, foram introduzidos por John Major, ou seja, antes do primeiro governo Blair. Contudo, Major e os ideólogos do Partido Conservador nunca se deram ao trabalho de formular uma pomposa doutrina a partir desta política económica que consideravam meramente sensata.
Poderíamos até afirmar que Keynes foi o verdadeiro pai da Terceira Via, mas este é outro assunto. Se lermos sobre a Terceira Via nos livros de História, a autoria do conceito é, como seria de esperar, atribuída a Blair e Giddens. Foram poucos os Trabalhistas que, como Tony Benn, reconheceram que alguns dos elementos centrais da Terceira Via não foram importações ideológicas da Social Democracia escandinava ou inovações conceptuais formuladas no deprimente Departamento de Sociologia do LSE, mas embaraçosas incorporações do legado de Major que não podiam ser explicitadas por razões políticas. Benn, corajoso, expôs o embuste, mas a audácia de nada lhe valeu.
De facto, os Trabalhistas verdadeiramente vermelhos que acusaram Blair e Giddens de “traição ideológica” acertaram em cheio na sua análise da bizarra metamorfose do seu partido. De certa forma, a Terceira Via foi, não apenas mas também, um astuto estratagema de marketing ideológico para ofuscar uma colossal contradição política, isto é, um governo da nova “esquerda” que, confrontado com o colapso do comunismo e com as oportunidades imensas geradas pela globalização neoliberal, leva a cabo uma apropriação algo sub-reptícia e um elaborado rebranding de uma política implementada pela direita conservadora que sempre diabolizou.
Quem se der ao trabalho de ler o livro de Giddens sobre a Terceira Via perceberá facilmente do que falo. É uma obra intoleravelmente superficial que tem mais que ver com a ofuscação do que com a sociologia política. Todavia, o que me interessa aqui é outra questão, que me parece infinitamente mais interessante e importante: a relação dos conceitos com a política.
O caso da Terceira Via pode e deve ser entendido como uma explicitação conceptual-ideológica de uma política existente, cuja autoria é distinta da reclamada. Todas as políticas económicas são implementadas de cima para baixo, mas nem todas foram formuladas ou implementadas por aqueles que reclamam os direitos de autor.
Existem casos históricos em que tudo aconteceu ao contrário e de forma muito mais clara, isto é, do conceito filosófico com um autor inequívoco e conhecido para a praxis. O New Deal de Roosevelt é, tanto quanto sei, um exemplo desta clareza reconfortante.
Dito isto, os casos similares ao das parcerias público-privadas de Major, isto é, inovações no domínio das políticas publicas que são implementadas sem nunca serem reclamadas e ideologicamente explicitadas no plano mediático são decididamente fascinantes. Podemos dizer que são ghosts in the machine que aguardam pacientemente pela visibilidade proporcionada por um ou vários oportunistas astutos.