Exagera-se quando se teme que um bebé possa desaparecer com a água do banho. Do ponto de vista do mundo físico, os bebés tendem a ser bichos gordos e robustos que não desaparecem com facilidade; e os ralos das banheiras tendem a ser estreitos, e ter tampas e filtros. A água passa por eles sem dificuldade; mas os bebés, se por acaso se conseguissem esgueirar (e só em caso de bebés extraordinariamente pequenos isso seria possível), entupiriam os ralos e os pais dariam logo por isso.  Fazer desaparecer um bebé com a água do banho levanta problemas práticos quase inultrapassáveis; e desaparecer por acaso, nestas circunstâncias, é muito improvável.

Sempre que se descreve uma proeza física que ninguém de boa saúde mental consegue planear ou considerar é sinal de que a descrição deve ser metafórica.  Temer o desaparecimento do bebé com a água do banho tem todos os sinais de um temor metafórico. Um temor metafórico é um temor como outro qualquer; mas muito mais simples de explicar. As metáforas têm a vantagem de não requerer grandes considerações logísticas, planeamentos, ou justificações. E, apesar da sua reputação, toda a gente as percebe; da mesma maneira que sabemos que seria prodigioso e raro que um bebé se perdesse com a água do banho, assim sabemos que quem diz estas coisas deve estar a querer dizer qualquer coisa que só tangencialmente terá a ver com bebés.

Naturalmente está, e naturalmente não tem. Quem fala desse modo exprime a preocupação de que certas coisas importantes (como bebés) possam ser deitados fora quando apenas queremos deitar fora certas coisas que parecem feitas para serem deitadas fora (como a água do banho). No entanto, mesmo que o receio seja genuíno, é um receio insólito.  Um filósofo antigo observou que só muito raramente, e apenas em momentos de estultícia ou loucura, confundimos aquilo que é mais importante com aquilo de que podemos prescindir.  É por isso que, quando estamos no nosso perfeito juízo, lhes chamamos momentos de estultícia e loucura.

Subestimamo-nos assim, e escusamos de nos assustar por tão pouco: em regra não nos costumamos esquecer das coisas importantes. Isso pode acontecer, claro, mas é tão infrequente e tão difícil como deixar um bebé ir pelo ralo da banheira abaixo. Podendo enganar-nos e mudar de ideias acerca daquilo que são as coisas importantes (o que tem por vezes acontecido ao longo da história), as coisas importantes são sempre uma espécie de bebés. Lembramo-nos delas quando temos que nos lembrar; e se não nos lembramos podemos ter a certeza de que seremos acordados durante a noite por uma algazarra reconhecível. Este mundo está bem feito. A algazarra que fazem as coisas importantes tem a função de nos ajudar, sem dificuldades de maior, a distinguir os bebés da água do banho.

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