A evolução não se faz por anúncio, autoelogios ou personalismos egocêntricos. Faz-se com trabalho, consistência, estudo e respeitando os contributos de antecessores reconhecidamente sabedores.
Fartos de anteriores anúncios sobre “reformas” do SNS – que de reformas nada tiverem à exceção da confusão e dos danos gerados -, e cansados de emergências, sejam as de planos ou as verdadeiras, que invariavelmente encerram sem que deveras saibamos porquê, este Ministério da Saúde deu discretamente passos decisivos para introduzir uma significativa melhoria no funcionamento do SNS e no acesso dos portugueses aos cuidados de saúde. O Despacho n.º 12876-C/2024, publicado a 29 de outubro, pela Secretária de Estado da Gestão da Saúde é, se calhar, a grande mudança de que o SNS necessitava.
Desde o Decreto-Lei n.º 139/2013, publicado a 9 de outubro, que se aguardava a transição para o novo regime jurídico das convenções, o que vinha sendo adiado por militante omissão de anteriores responsáveis do Ministério da Saúde, acompanhada por um constante ataque ao setor convencionado. E como a Entidade Reguladora da Saúde bem identificou na sua recente Informação de Monitorização Setor Convencionado de Análises Clínicas, atualmente 57 concelhos, representando 20,5% do total de concelhos de Portugal continental, já não têm oferta convencionada em análises clínicas, obrigando os utentes a deslocações superiores a uma hora para acederem aos serviços mais próximos.
Outros setores estarão até piores. Este é o resultado de erradas e muito criticáveis políticas públicas de saúde que, ao longo de anos, prejudicaram o setor convencionado e destruíram capacidade instalada que, agora, inexiste para poder ser aproveitada pelo SNS. No quadro de tais políticas públicas erradas pontificam, no especial contexto das análises clínicas, as irracionais medidas de internalização de colheitas e realização de análises clínicas sob um pretenso pretexto de rentabilização da capacidade instalada no SNS, mas que agora deixam milhares de portugueses a mais de uma hora de distância de um posto de colheitas.
O cenário da internalização, vivido nos últimos tempos, constituiu um retrocesso civilizacional, que deveria conduzir à responsabilização dos agentes que, em diversos momentos e por questões ideológicas e retrógradas, contribuíram (por ação ou omissão) para esta realidade. E é, também e naturalmente, o resultado óbvio da não atualização dos preços convencionados há décadas, gerando uma eliminação constante da rede convencionada. Tudo por causa de dogmas e parti pris ideológicos que nos últimos anos se instalaram, e que clamando defender o público, insistentemente tiveram o efeito contrário e prejudicaram-no. A saúde dos portugueses não deveria, definitivamente, ser objeto de politiquices.
Com o Despacho n.º 12876-C/2024, as Unidades Locais de Saúde (ULS) e os Institutos Portugueses de Oncologia (IPO) passam, finalmente, a poder requisitar Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT) ao setor convencionado de forma mais eficiente. Quando os recursos internos não respondam em tempo útil – isto é, até 85% do Tempo Máximo de Resposta Garantida (TMRG) – os utentes passam a poder contar com a prontidão e a qualidade do setor convencionado.
Este novo enquadramento não só reforça a resposta assistencial do SNS, como elimina barreiras que há muito atrasavam o tratamento e diagnóstico de muitos cidadãos (quem não conhece uma situação de uma consulta ou de um diagnóstico gravemente adiado por a análise ou o exame pedido no hospital não ter sido realizado a tempo?).
É uma solução pragmática e inclusiva, que maximiza a utilização da capacidade instalada em Portugal, integrando de forma inteligente os recursos públicos, privados e sociais. E fá-lo, se o Ministério da Saúde optar, como se espera, pelo modelo de celebração de convenções através da adesão a um clausulado-tipo previamente elaborado pelo Estado, assente no primado da liberdade de escolha dos utentes e na promoção da concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde.
As ULS passam, assim, a contar com a resposta do setor convencionado, e devem permitir que os cidadãos escolham livremente o local convencionado de realização dos MCDT, inclusive no futuro agendando-os diretamente através de canais digitais, atendimento presencial ou contacto direto. E, para isso, as entidades convencionadas devem disponibilizar informaticamente agendas para marcação, permitindo que um utente tenha os seus exames realizados a tempo e horas. Finalmente, a trabalhar em conjunto e em complementaridade, em prol do acesso aos cuidados e dos cidadãos.
E eis senão quando, sem grandes parangonas, nem gongóricos anúncios num qualquer power point, porventura por um “simples” Despacho se inicia a verdadeira evolução do SNS em benefício das pessoas. E sem reformas nem emergências, porque de estragos já estamos conversados.