Um dos momentos mais conseguidos e determinantes em todo o percurso terreno do Senhor Jesus Cristo foi o de ter tomado a discernida decisão de ir a Jerusalém. Esta dificílima decisão encerraria, em última instância, a sua predeterminada morte expiatória na Cruz do Calvário em favor da raça humana, outrora decaída pelo pecado original de Adão e Eva (Génesis 3:1-7). O Senhor Jesus entrou triunfalmente na Cidade Santa no Domingo de Ramos, não obstante o sofrimento atroz que augurava que se iria abater sobre si nos dias posteriores perante as autoridades judaicas. Mesmo assim, sem qualquer tipo de hesitação, o Filho de Deus «tomou o firme propósito de ir a Jerusalém» (Lucas 9:51), trilhando assim a penosa via-sacra.

A corajosa decisão de Jesus em deslocar-se a Jerusalém tinha inúmeros sobressaltos e riscos associados, máxime do ponto de vista geográfico e espiritual. O lugar onde se encontrava, a região do mar da Galileia, segundo os geógrafos Cristãos, fica 200 metros abaixo do nível do mar, enquanto a altitude média de Jerusalém é de 760 metros acima do referido nível. Por isso, subir até à cidade de Jerusalém era uma trajectória íngreme e bastante penosa. Do ponto de vista espiritual esta decisão encerrava o cumprimento escrupuloso de todas as profecias bíblicas a respeito do Filho de Deus, assim como a salvação da humanidade transviada. E tudo isto consubstanciava, em termos prático-espirituais, um tremendo desafio no itinerário do Messias.

No decorrer da viagem, o Senhor Jesus atraiu uma enorme multidão de peregrinos que seguiam igualmente para Jerusalém, a fim de assistir à celebração da Páscoa judaica (João 2:13), especialmente por ter curado milagrosamente dois cegos na circunscrição de Jericó (Mateus 20:29-34). E foi assim, de forma heróica, que o Senhor Jesus entrou triunfalmente em Jerusalém com a multidão a render-lhe o merecido louvor, entoando efusivamente: «hosana ao Filho de David; bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas!» (Mateus 21:1-10; Marcos 11:7-10; Lucas 19:36-38; João 12:12-15), contrariando todas as maléficas censuras dos fariseus (Lucas 19:39-40).

Durante a curta e desafiante estadia do Messias na Semana da Paixão em Jerusalém, sofreu tamanha oposição dos pecadores (Hebreus 12:2-3), que culminou com a sua terrífica morte na Cruz do Calvário (Mateus 27:50; Lucas 23:44-46). O Senhor Jesus, ao tomar o livre-arbítrio de ir à Cidade Santa estava, sem dúvida, a perfilhar inteiramente a sua predeterminada missão redentora em favor da humanidade. E esta impreterível decisão envolveria, em última instância, a traição, a injustiça, a humilhação, a morte e a sua ressurreição dos mortos (Mateus 16:21). Analisaremos infra, de forma sumária, cada uma dessas deliberadas aleivosias cometidas contra o inofensivo Filho de Deus.

A Traição

Começou, desde logo, com a multidão que rodeou o Senhor Jesus na sua entrada triunfal, no Domingo de Ramos, na Cidade Santa de Jerusalém e, nos dias posteriores, mudando de opinião, pedindo a Pilatos para crucificá-lo (Marcos 15:8-15). Uma tamanha incongruência comportamental. Embora não seja clarividente nas Escrituras Sagradas se é realmente a mesma multidão. Há, todavia, um entendimento praticamente generalizado no seio dos biblistas no sentido de que não é a mesma multidão que se revoltou contra Ele, sob o argumento de que a turba que entrou com o Senhor Jesus não era da cidade de Jerusalém, porque vinha das urbes circunvizinhas por onde ele passou e seguiram-no até Jerusalém, tendo depois regressado às suas origens. Ou seja, consideram esta multidão, na sua generalidade, como apoiantes de Barrabás e próximo do círculo das autoridades sacerdotais. O agora emérito Papa Bento XVI, por todos os teólogos, defende esta posição doutrinária no seu segundo volume Jesus de Nazaré – Da Entrada em Jerusalém Até à Ressurreição, Principia, Cascais, 2011, p. 18-19; 152-155.

Não comungamos deste entendimento. Temos uma leitura completamente diferente. É verdade que a multidão que entrou com o Senhor Jesus em Jerusalém era forasteira. Acreditamos, no entanto, que foi a mesma multidão que dias antes o aclamava devotamente – «hosana ao Filho de David! Bendito o que vem em nome do Senhor!» – que depois mudou de opinião, pedindo a sua crucificação (Mateus 21:9-10; Lucas 19:39; João 12:13). Não faria qualquer sentido a caravana que entrou com o Senhor Jesus na Cidade Santa, percorrendo inúmeros quilómetros (alguns seguiram-no desde Jericó) para estar apenas um ou poucos dias em Jerusalém e logo a seguir regressar imediatamente às suas terras, sem ficar para celebrar a grande festa da Páscoa judaica. Aliás, a maioria das pessoas estava precisamente ali por causa da referida efeméride religiosa, que decorria naquela mesma altura do calendário. E não estamos a falar de uma mera celebração. É das mais importantes festas judaicas, que atraía numerosos peregrinos a Jerusalém, tal como acontecera em algumas ocasiões com o Senhor Jesus e a sua família – que tiveram de deslocar-se de Nazaré para ir assistir à aludida festividade (Lucas 2:41-52). Esperava-se, por parte desta multidão, o ardente desejo de aproveitar a oportunidade especial ali presente para comemorar a Páscoa, como é comummente prática judaica, hospedando-se em alguma parte da cidade. É esta mesma multidão, juntamente com os apoiantes dos líderes religiosos e de Barrabás, que pediu a crucificação do Filho de Deus. Em suma, o Senhor Jesus foi traído pelas autoridades judaicas, pelos seus discípulos e, por fim, pela multidão.

A Injustiça

O Senhor Jesus Cristo, ao ser traído por tudo e todos ao seu redor, abriu portas para ser simultaneamente objecto de inauditas arbitrariedades por parte «dos homens que detêm a verdade em injustiça» (Romanos 1:18), que «ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!» (Isaías 5:20). O processo acusatório que incidia sobre o Filho de Deus, do início ao fim, estava completamente falsificado e viciado. A forma como foi preso e sentenciado é o exemplo manifesto disso. Não havia nenhum crime que o Filho do Homem praticasse que justificasse a sua condenação à morte (Isaías 53:9; 2 Coríntios 5:21), tal como o próprio Pôncio Pilatos reconheceu depois de atentamente interrogá-lo (João 18:34-35). No entanto, tudo isto aconteceu porque odiaram-no sem causa (Salmo 35:19; 69:4; João 15:25). O Príncipe da Paz (Isaías 9:6) não representava objectivamente qualquer tipo de ameaça real contra as autoridades vigentes de então, isto é, de querer usurpar os seus postos governativos ou fazer-lhes algum tipo de mal. Mesmo assim, o Sinédrio, em conluio com a turba ululante e com a aquiescência do sanguinário governador romano (Lucas 13:1), declarou o Senhor Jesus culpado de blasfémia contra Deus e consequentemente condenou-o à pena capital (Mateus 26:65-66; Marcos 14:63-64), contra todas as evidências legais e religiosas. Aquele que nunca cometeu nenhum pecado (2 Coríntios 5:21), o Amado Filho de Deus (Marcos 1:11), foi reduzido a um malfeitor na Cruz (Lucas 23:32-33). E assim, de forma flagrante e arbitrária, a mentira triunfou momentaneamente sobre a Verdade. O mal silenciando o Bem. O ódio ofuscando o Amor. somente por três dias…

A Humilhação

Quando a injustiça reina nos corações das pessoas elas passam a ser extremamente insensíveis, susceptíveis de praticarem as piores barbáries, que excedem a lógica do bom senso e da razoabilidade. Foi o que aconteceu no caso particular do Senhor Jesus. Desde o seu despótico julgamento, ferido de tremenda ilegalidade, até à sua crucificação na Cruz do Calvário, foi exposto ao opróbrio dos homens, tendo sido injuriado, cuspido no rosto, levado punhadas, enquanto outros o esbofeteavam lançando sorte sobre as suas vestimentas (Mateus 26:67-68), inclusive com um dos criminosos a troçar dele (Lucas 23:39). O autor sagrado regista que «os soldados entrelaçaram uma coroa de espinhos que puseram na cabeça de Jesus. Depois colocaram-lhe aos ombros um manto vermelho. Aproximavam-se e faziam pouco dele: “Viva o rei dos judeus!” E davam-lhe bofetadas» (João 19.1-3). Uma passagem bíblica que se coaduna perfeitamente com a profecia sobre a condição terrena do “Servo Sofredor”, encarnado terrenamente pelo Senhor Jesus Cristo (Isaías 53:1-12). Este sofrimento e tremenda humilhação, a que foi sujeito para nos livrar da condenação eterna, encerrava toda a verdade central do Evangelho: a salvação da humanidade pecadora. Se o primeiro Homem, por causa da sua jactância e soberba, almejou chegar à natureza divina (Génesis 3:1-7), desobedecendo deliberadamente às ordens expressas de Deus, comendo o fruto do conhecimento do bem e do mal (Génesis 2:17), o Senhor Jesus, de forma inversa, abdicou da sua natureza divina e tomou a forma de escravo, «tornando-se igual aos homens. E, vivendo como homem, humilhou-se a si mesmo, obedecendo até à morte, e morte na Cruz» (Filipenses 2:5-8). Viveu como escravo e acabou como se fosse um criminoso (Mateus 27:35-44), encarando tudo isto com total obediência, seguindo a vontade soberana de Deus na sua vida. Aquele que é o obreiro de todas as coisas, o Alfa e o Ómega (Colossenses 1:13-18), o Verbo de Deus (João 1:10; 14), a Humildade em Pessoa (Mateus 11:28), agora foi reduzido a um grau de insignificância como se de um marginal se tratasse por causa do seu infinito amor para com os pecadores (João 13:1). Por isso, «Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai» (Filipenses 2:9-11).

A Morte

Chegado ao ponto fulcral da sua missão salvífica, que é o inevitável sacrifício expiatório que o esperava dentro de algumas horas, o Senhor Jesus manteve-se sereno até ao fim. Não cedeu às provocações e tentações de que estava a ser objecto na Cruz (Marcos 15:29-32). Foi vexado e humilhado, escrevia o autor do livro de Isaías, «mas a sua boca não se abriu para protestar; como um cordeiro que é levado ao matadouro ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador, a sua boca não se abriu para protestar. Levaram-no à força e sem resistência nem defesa» (Isaías 53:7-8). Resistiu firmemente, tal como aquando da sua tentação no deserto (Mateus 4:1-11). Não se distraiu uma única vez do seu verdadeiro intento soteriológico. Teve ainda a amabilidade de pedir ao Pai para perdoar aqueles que estavam a trespassá-lo (Lucas 23:34), sendo deste modo coerente com a mensagem de amor e perdão que sempre pregou, mormente a de não pagar o mal com o mal e amar os inimigos, independentemente das circunstâncias favoráveis ou adversas a que se possa estar circunscrito (Mateus 5:41-44). É nesta postura congruente de amor incondicional que clamou com grande brado, dizendo: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou» (Lucas 23:46). Com a morte do Senhor Jesus estava tudo consumado. Está consumada a barreira de separação que outrora existia entre Deus e os seres humanos por causa do pecado (João 19:30). Em consequência disso, «o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo» (Mateus 27:51-52; Lucas 23:45). A barreira de inimizade que separava o Eterno Deus dos seres humanos foi agora dissipada, fazendo com que se iniciasse uma nova era de paz e reconciliação entre ambos, mediante o sangue redentor do Senhor Jesus Cristo (Romanos 5:1-2; 2 Coríntios 5:17-19).

A Ressurreição

Não se pode falar de todos estes vexames que acabamos de mencionar, e uma série de outros que não foram enumerados aqui, sem falar da ressurreição do Messias. Depois de três dias retido na tumba, o Senhor Jesus Cristo ressuscitou com a força e o poder de Deus (Mateus 28:1-10; Marcos 16:1-8; Lucas 24:1-12; João 20:1-10), apresentando-se com provas irrefutáveis (1 Coríntios 15:5-8). Sem a ressurreição do Senhor Jesus Cristo, tal como expressamente sustentava o Apóstolo Paulo, «é vã a nossa fé» (1 Coríntios 15: 12-18). A fé Cristã está alicerçada na morte e ressurreição gloriosa do Senhor Jesus, pois Ele ressuscitou dentre os mortos e foi feito as primícias dos que dormem (1 Coríntios 15:20). O doloroso percurso para o Calvário, que o Senhor Jesus teve duramente que enfrentar, passou agora a ser o caminho ideal do perdão, do amor, da paz, da reconciliação, da esperança, da vitória e da vida eterna em Cristo Jesus, nosso único Senhor e suficiente salvador. Que assim seja. E assim sempre será pela fé. Amém.