Já foi apresentado neste espaço (aqui e aqui, para dar dois exemplos) o perigo para a Ucrânia, para a Europa e para a União Europeia de uma segunda Administração Trump. É sobejamente conhecida a adoração e a lisonja que o antigo presidente dos Estados Unidos mostra para com o Presidente Russo, desde preterir os seus próprios serviços de informação e segurança em favor de Putin na Cimeira de Helsínquia em 2018, ou ao dizer que o homem forte de Moscovo “é muito esperto” e “um génio” pela forma como atacou à Ucrânia, ao tentar anular sanções do governo americano à Federação russa, ou, mais recentemente, ao dizer que não sairia em defesa de aliados da NATO, e pior, que diria a Putin para este “fazer o que lhe apetecesse”. Se o entusiasmo no Kremlin já era elevado com uma possível reeleição do seu candidato favorito em Washington, agora ainda mais se rejubila em Moscovo, pois Trump nomeou para ser o seu candidato a Vice-presidente alguém pior que ele nestas matérias.

J.D. Vance é um Senador com ano e meio de experiência governativa onde não fez nada de relevo, a não ser defender Trump no Senado e na imprensa, votar contra pacotes de ajuda militar para a Ucrânia, e propor que esse país entregue parte do seu território a Putin, afirmando que é inevitável a vitória russa no conflito. Além disso, acredita que a União Europeia é “imperialista” (o que mostra uma flagrante ignorância sobre o que é a União Europeia) por a Comissão Europeia ter suspendido fundos europeus para a Polónia e Hungria, devido às tentativas dos governos destes países de manietarem, e mesmo tentarem dominar, o sistema jurídico. Quando na Polónia, os eleitores resolveram eleger democratas para o governo, Vance disse que Tusk (o agora Primeiro-ministro) tem “tendências autoritárias”, e que os polacos exageram no receio das tendências expansionistas de Moscovo. O Reino Unido, na sua opinião, é um “país islamita”, e isso pode significar que seriam os primeiros islâmicos “a ter um país com uma arma nuclear” (o que mostra a sua ignorância sobre o Sudeste Asiático). Quanto a líderes europeus, Orbán é um modelo de governação para os Estados Unidos, com a sua democracia iliberal, intolerância, sectarismo e aproximação a Moscovo. Já Meloni, é uma “catástrofe”, como Primeira-ministra italiana, por mostrar o mínimo de moderação na questão da imigração para a União Europeia.

Uma pergunta é assim inevitável: o porquê de, no lugar de escolher um candidato negro, ou uma mulher, ou um latino, e assim tentar chegar a esse eleitorado, Trump escolher Vance. O New York Times (via Maggie Haberman e Jonathan Swan) teve acesso à informação que sugere que o processo de tomada de decisão foi mais surreal do que se esperava. Alegadamente, Tucker Carlson, que se tornou numa espécie de porta-voz não oficial da Rússia e de Putin nos Estados Unidos, telefonou a Trump para o aconselhar (vamos dizer assim) a escolher Vance no lugar de um neoconservador, ou seja, um Republicano na linha de Reagan e Bush(s). Se escolhesse a segunda opção, os serviços de informação e segurança americanos teriam assim o incentivo de o assassinar (a Trump) para este imaginário Vice-presidente assumir a Casa Branca e começar mais guerras convencionais, ou até nucleares. Tudo isto podia ser visto apenas como uma fantasia nascida num qualquer chat room de um site dos America First, mas Tucker tem o ouvido do ex-presidente e a admiração do contingente MAGA.

E depois há os tech-bros, libertários de Silicon Valley, com ligações a Moscovo, ou uma simples inveja pelo estilo de governação oligarca russa. Peter Thiel (Facebook, Palantir e PayPal), que ajudou Elon Musk a arranjar os fundos para comprar Twitter através de dinheiros russos (e sauditas) foi quem, basicamente, criou J.D. Vance, suportando a sua campanha para Senador pelo Estado de Ohio. Thiel e David Sacks (Craft Ventures, PayPal e Yammer), outro proponente da rendição da Ucrânia e defensor que foi Biden que começou a guerra por aludir à entrada deste país na NATO (o que é falso), realizaram um evento de recolha de fundos na Califórnia que rendeu 12 milhões de dólares, numa só noite, para o candidato Republicano.

A isso junta-se, inevitavelmente, o mais tech bro dos tech bros, Elon Musk, que também afirma ter a certeza de que Putin ganhará o conflito e que a Ucrânia devia ceder algum do seu território para a Rússia. Isto ao mesmo tempo que promete contribuir com cerca de 45 milhões de dólares por mês para um grupo de apoio à candidatura de Trump. Musk foi também acusado pela comunidade internacional de se imiscuir em operações militares ucranianas (na Crimeia) por deter a Starlink, e num aspeto menor (mas caro para o vosso autor) tornou o Twitter (e sim, eu recuso-me a chamar a plataforma por outro nome) num veículo para racistas, extremistas e apologistas de Putin, que assim causam disrupção e polarização no debate público (que ainda por lá acontece) no website.

Nos Estados Unidos, quando se fala da presidência, e porque há esta tendência de os presidentes se desgastarem com a posição, ou poderem ser alvejados a qualquer momento, usa-se muito a expressão a heart beat away. O Vice-presidente tem de ter a qualidade, estar pronto, e ser capaz de assumir a Presidência no caso de o Presidente não poder “exercer os poderes e deveres do cargo”. O Kremlin pode ter em novembro, se o candidato Republicano for eleito, aquilo que mais precisa para triunfar na Ucrânia e continuar com tendências expansionistas para além das suas fronteiras. E melhor ainda, no Republican ticket, o segundo parece ser ainda mais favorável a Moscovo que o primeiro, impulsionado, ou refém, dos magnatas que não querem pagar impostos e que desejam expandir os seus monopólios sem essa coisa maçadora que é a regulação de mercados. Se calhar, é melhor Trump arranjar uma redoma de vidro, contratar um provador de chá, e afastar-se de janelas nas suas torres em Nova Iorque e Chicago… não vá acontecer-lhe alguma coisa, quando ainda agora se safou de uma.

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