1. O ar rompia o dia amanhecido; o sentir da tarde, a lua e o Ideal comum. A chama imensa, a escuridão e as canções: “Ó luz beleza, clara certeza”. “Ao redor da fogueira, vimos ouvir os conselhos”, “a vida nova, a bandeira, e a Promessa” – falam disso os chefes antigos! Os escutas chegavam e ficavam apaixonados, permanecidos, fala-se de um amor imenso, demorado… Os escutas têm uma obsessão: invadir os campos, levantar lonas e acampar! Por isso, vai para Campo, e constrói, constrói… ainda que os troncos já estejam usados. Como dizia o nosso Kipling “tu podes reconstruir a sociedade com ferramentas já gastas”; é isso mesmo! E se a cidade acabar, tu reconstróis a cidade! Se o país desmoronar, tu reconstróis o país! Se a civilização fracassar, tu reconstróis a civilização! Pois, se a mesa cair, a Patrulha volta a fazer! Se a tenda tombar, a Patrulha fá-la subir! E se o vento apertar, será preciso voltar a estacar, a esticar, a abraçar! Ao escuta não se pede para dar tudo, ao escuta pede-se para dar tudo… o que tem! E o escuta dá tudo o que tem, pois não quer ser escuta pela metade. O que é o Escutismo? O Escutismo é dar a vida! O escutismo não serve para termos a consciência tranquila; não serve para darmos os mínimos! E, por vezes, fazemos de tudo para não dar a vida… fazemos voluntariado, damos esmolas, temos uma vida ética, bem “arrumada”, de boa consciência. Por vezes, fazemos tudo para não dar a vida! Formar bem os nossos escuteiros é ensinar-lhes, através do exemplo do nosso testemunho, as razões pelas quais vale a pena dar a vida, pelas quais vale a pena morrer! O escutismo é o local onde aprendemos a dar a vida; o escutismo é o local onde aprendemos a morrer!
2. Promessa escuta! A Promessa escuta não é algo declarativo, discursivo; não é repetir uma fórmula e achar que “vai ficar tudo bem”. A Promessa não serve para nos olharmos ao espelho; a Promessa, ao contrário, põe-nos a olhar para Deus! Depois da Promessa Escuta quer dizer que já não vale tudo, significa que eu não sou o centro do mundo, significa que eu não sou a medida de todas as coisas, significa que existe um “nós”, significa que é na dinâmica do “nós” que o “eu” encontra a sua plenitude! Por isso, Deus é a plenitude da comunhão; por isso, nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus; por isso, a Patrulha é comunhão; por isso, a Patrulha é um espaço privilegiado para fazer a experiência de Deus; por isso, o Sistema de Patrulhas é a chave do escutismo! Promessa escuta! A Promessa gera comunhão, gera compromisso, faz com que nos reunamos em torno do Centro; faz com que ofereçamos uns aos outros este grande sinal de que encontrámos o essencial. E o que é o essencial? O essencial é que temos de viver em Comunidade, temos de viver em Comunhão, temos de viver em Patrulha. Quando não ouvimos a palavra de Deus e ouvimo-nos apenas uns aos outros ficamos incompletos, inacabados, cheios de nós mesmos. Promessa escuta! Acreditar na Promessa significa, então, ter uma força, de Outro em nós; significa pensar e fazer algo que não depende, ao contrário do que o monge Pelágio defendia, apenas, de nós!
3. Nunca acordem um escuta… ele pode estar a sonhar. E sonhar é bom! A capacidade de sonhar, ainda que com moderação… deve ser estimulada. Não são os sonhadores que enlouquecem; são os lógicos, os matemáticos e os jogadores de xadrez. O escuta quer apenas meter a cabeça nos céus; os lógicos, os matemáticos e os jogadores de xadrez também querem o céu; mas para o meter dentro da cabeça. E às vezes, rebenta. O escuta está dentro da realidade e não o contrário, ou seja, não é a realidade que está dentro do escuta e da sua cabeça; neste caso, haveria tantas realidades quantas as cabeças…
O escuta ajuda-nos a perceber que o buraco da árvore pode ser um esconderijo para um lugar secreto, que o pau à beira do caminho pode ser o mastro de um navio pirata, ou a espada do mosqueteiro, ou a varinha encantada do mágico. O escuta é romântico e sensível, o escuta tem sempre uma explicação que explica, o escuta tem sempre uma solução, o escuta é essencial! O escuta é são porque tem um pé bem assente na terra e o outro no céu, no buraco da árvore, no navio pirata, no país das maravilhas. Incutamos desde cedo no escuta o segredo, o enigma, o mistério. Seremos pessoas sãs enquanto nos alimentarmos de mistério. Nunca acordem um escuta … ele pode estar a sonhar!
4. O escutismo é parábola, o escuta é parábola. O escuta está em campo, olha em volta e percebe, então, que está sustentado, permanecido, suportado… por um mundo invisível que o transcende! É por isso, então, que o escuta tem mais beleza do que a beleza que sozinho tem; tem mais força do que a força que sozinho tem; tem mais esperança do que a esperança que sozinho tem; tem mais fé do que a fé que sozinho tem! O escuta concentra-se na sede, e na sede há movimento; o escuta sai e invade os campos; chega ao sítio das árvores, olha em volta e percebe o mistério que o habita; percebe que teve um começo, mas não terá fim pois a sua escala é outra, a sua escala é a eternidade! Não somos escutas para ganhar medalhas ou bater recordes; o que está em causa não é a estatística, ou o marketing, não é uma questão de números ou de likes! O que está em causa é a missão, é o sentido e o ideal comum! Jesus fala-nos em parábolas porque toda a nossa vida é parábola. A Parábola vai direta aos olhos, e ao coração. Se não percebermos que a vida é parábola, envelhecer será sempre uma humilhação, ter sucesso será sempre uma vaidade, no dinheiro só conseguimos ver dinheiro, no sofrimento só conseguimos ver sofrimento. O escutismo é parábola, e se não o percebermos é porque somos materialistas. Se não percebermos que o escutismo é parábola, o lenço é uma ostentação, o cargo de chefia é uma vanglória, a visibilidade paroquial é um aparato. E nós só percebemos que o escutismo é parábola se tivermos vida de Sede, vida de Patrulha, vida de Igreja. Nós só percebemos que o escutismo é parábola se tivermos anseio pela vida em campo, pelas longas noites de campo… pela vida de missão, pelos silêncios, pelo encontro, pelo ideal comum, pela comunhão!
5. O escutismo não serve para nos tornarmos pessoas perfeitas, sem falhas. A ideia de que podemos ter um ambiente impecável, absoluto, total… é ideológico, é algo que é pretensão das ideologias; e elas estão aí, por todo o lado, e mesmo no meio de nós, adocicadas, perfumadas e pasme-se, a reclamarem-se de ortodoxas! Mas o nosso critério é outro, o nosso critério é o Evangelho! Recordemos a parábola do Trigo e do Joio: Jesus diz para não nos precipitarmos, para deixarmos que cresça o trigo e o joio, não vá acontecer rebentar uma coisa por causa da outra. Entramos para o escutismo, mas não para nos sentirmos bem connosco próprios, não para sentirmos uma “energia positiva”, sem identidade, sem sal. Entramos para o escutismo, mas não para termos uma boa imagem de nós próprios, por causa das boas acções que fazemos e que, discretamente, publicitamos. O que interessa no escutismo não é sermos pessoas impecáveis, perfeitas. O que interessa no escutismo, ainda que venhamos com as nossas fragilidades, com as nossas duplicidades, com as nossas “nódoas”… é colocarmos a Promessa no centro da nossa vida, e humildemente fazer tudo o que temos pela nossa conversão, pela nossa santificação! A Promessa não é um adorno ou um consolo.
Vivemos tempos de uma certa “deriva moralista”, exacerbada, imparável! Mas não podemos ceder à tentação do “faça você mesmo”, nem de querer um Movimento tão perfeito, tão perfeito, tão perfeito… que corremos o sério risco de o transformar num autêntico pesadelo legalista-burocrático-pedagógico-psicológico. Tenhamos sempre presente a Parábola do Trigo e do Joio… não vá acontecer rebentar uma coisa por causa da outra. O escutismo agradece; o escutismo pode salvar o mundo!
Nota: este artigo resulta de uma iniciativa individual e o seu conteúdo não vincula qualquer posição institucional do CNE.