Assumindo que os cabeças de lista candidatos às Eleições Europeias são um espelho da Nação, assistir aos debates nas televisões foi útil para consolidar a ideia de que uma larga maioria dos portugueses adotou a infantilização como modo de olhar o mundo. Longe vão os tempos em que as pessoas se ocupavam do essencial por saberem que o destino passava pelas suas mãos, impedindo que o acessório ocupasse o que restava de tempo útil para tratar o inadiável das suas vidas. Atualmente, perdidas e sem rumo, passaram a acreditar que o seu destino depende da boa vontade de terceiros e da bondade das soluções fáceis trazidas a tiracolo. Em resultado desta ociosidade mental, os problemas, outrora somente reais, são agora também imaginários, o que explica o crescente grau de aceitação do diletantismo dos perfis apresentados. Seguem algumas notas sobre os seus porta-vozes.

Marta Temido. Com a rapidez irrequieta dos desnorteados, sem filtros, e com sorrisinho sempre em busca da câmara mais próxima, desbarata uma montanha de verbo que ninguém verdadeiramente entende. Parece daqueles bonecos a pilhas que, acabada a corda, necessita que se rode novamente a chave da engrenagem de modo a reiniciar a atividade que, invariavelmente, começa por “Vamos lá a ver”, e acaba com o perigo da extrema-direita. E quando as pilhas começam a dar as últimas diz sempre “Os portugueses conhecem-me, os portugueses já me conhecem”. Isto claro, sem nunca parar de piscar os olhos e afetar outros trejeitos, modos que se suspeitam ser as traduções mecânicas que a fábrica da Majora inventou para sinalizar que afinal de contas se trata de um brinquedo.

Sebastião Bugalho, com um ego maior do que o estômago, herculeamente debate-se com o próprio e com todos os outros. Carrega ainda com todo o ónus, um decreto que a comunicação social impôs. A sua idade está sob constante escrutínio, e sobre ele caem todas as exigências. Nem um centímetro de descuido lhe é permitido, ao contrário de todos os descuidos concedidos aos malucos. Com garbo, mas com algum custo, empunha uma espada de ferro pela primeira vez com a mesma felicidade do Joãozinho quando empunha a sua de plástico e se diz mosqueteiro. A destreza, os livros, o ímpeto, e o estoicismo, servem-lhe e elevam-no. Mas a economia e a aflição dos que têm de se fazer à vida são assuntos que denunciam que é moço para caminhar ainda com rebuçados escondidos no bolso.

Tânger Correia, sénior, mudo, e com um colete de forças muito afinado que a correta estratégia aconselhou, vai passando com algum sucesso pelas cargas de água impiedosas lançadas por todos, mas que a quantidade de imigrantes trata de secar rapidamente. Por mais coisas acertadas que pudesse ter para dizer naquela forma irredutivelmente atabalhoada, sabe que este mundo, e o outro, estava danado por lhe cair em cima. Daí a imposição do silêncio, a única arma que a difícil circunstância lhe permitiu utilizar. Submetido o seu carácter impetuoso a essa exigência, a sua maturidade revelou-se um instrumento útil para que essa estratégia o ajudasse a melhor desmascarar os adversários, denunciando com a armadilha que o ódio afinal reside mais naqueles que andam sempre de dedo em riste. É que para com este diplomata!, quase todos os adversários se babaram nas TVs com aquela espuma odiosa que as feras destilam antes de atacarem. Isto claro, enquanto se mostraram mansos para com o pagode. Lembrou-me a história do lobo mau, mas agora aplicada aos adultos.

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Cotrim de Figueiredo. Também sénior, desespera. Dando abadas de 8-1 nos debates, onde o golo sofrido corresponde ao assunto da imigração, este candidato sofre na pele as angústias próprias de quem sabe ser muito superior a todos os demais e não vê essa realidade premiada nas urnas. Quantas e quantas vezes não lhe deve passar pela cabeça aquela frase de Galileu “E no entanto ela move-se” sempre que algum lunático, e que são praticamente todos, dizem idiotices e barbaridades várias, para aplauso dos comentadores de serviço, e ao serviço. Preparado, experiente, e adepto do fair-play típico dos liberais, nota-se-lhe uma apetência e empenho por este exercício estranho à maioria dos portugueses: o confronto de ideias com base na argumentação sólida, e não na adjetivação. Isolado neste tipo de atividade, sobra a dúvida se a falta de competitividade no mísero campeonato nacional não esconde insuficiências necessárias para o exigente campeonato europeu que se aproxima. O modo como o lance da imigração tem sido abordado merecerá afinações depois de eleito, pois o tema é muito sério, delicado, e onde os maiores riscos se encontram na permissividade e não nas restrições. Revisitar a teoria dos jogos pode ajudar.

Francisco Paupério. Dá bom corpo a uma máxima de Goethe. “É preciso ter presente que há muitas pessoas que, sem serem produtivas, têm vontade de dizer alguma coisa de importante. É fantástico o que se ouve em tais situações”. Apresentando-se com uma auréola universitária, retórica fluída à gabinete de estudos, e muito moderno na aparência, este mancebo suspira por fórmulas sociológicas esotéricas, de que as fusões de certos estudos de vanguarda com gin tónicos da moda e outras substâncias têm aquele condão de produzir resultados fascinantes. Dizer, com aquela calma dos inconscientes, que se prevê a chegada à Europa de 200 milhões de refugiados para uma população de cerca de 500 milhões cada vez mais envelhecida, e quando se sabe serem aqueles maioritariamente jovens e masculinos, e que urge criar programas efetivos de integração, é entrar no campo do delírio puro. Na savana o seu equivalente passaria pela mãe hipopótamo passar a acreditar de que um leão esfomeado, com formação adequada, nunca devoraria a sua cria recém-nascida. Recomenda-se ao Dr. Paupério experimentar, ele mesmo, ações de formação sobre a natureza das coisas de modo a melhor se integrar no mundo dos crescidos (adultos, é ainda uma palavra muito forte), sejam participar em rixas de pequeno calibre, sentir aquele bater de coração numa situação de fuga, ou jogar uma partida de futebol como avançado num terreno enlameado contra defesas menos tenrinhos. Verá que o mundo em geral, e a natureza em particular, têm regras incompatíveis com as efabulações dos gabinetes.

Catarina Martins. Incapaz de se dissociar daquele sarcasmo dos infelizes para quem o mundo Ocidental não possui uma única virtude, foi definitivamente possuída pela corrosão interior em resultado da desconformidade acumulada entre os ideais e a realidade. O seu sorriso cada vez mais falso denuncia que o azedume deixou de ser apelativo e que o Bloco já só existe para ser conquistado por outros. Tudo ali é gasto e sem ideia, para além, evidentemente, dos alertas do perigo da extrema-direita, o novo máximo intelectual. Depois, tem outra coisa. Cara Catarina, certo tipo de rebeldia, um sex-appeal apelativo em determinados perfis femininos mais jovens, com o avançar da idade passa a ser coisa contraproducente. Acontece que as rugas reclamam outra solidez, outra substância, savoir-faire, e estilo, para melhor casar com a maturidade de que fazem parte. Tudo coisas que a história do Bloco sempre renegou. Portanto, a problemática, no caso, é que já é tarde. Há coisas que nem com ações de formação lá vão.

João Oliveira. Diz-se que Oliveira, ciente do rumo que a CDU leva, anda com interesse em mudar de ramo e enveredar pelo teatro. Aproveitando a oportunidade para demonstrar todas as suas qualidades de representação, este insólito acaba por ser verosímil, pois é assaz invulgar o modo convincente como este candidato consegue dizer seriamente coisas que são do domínio do irreal. E não só aparenta acreditar piamente no que diz, como o faz com um débito de palavras por segundo ao nível daqueles anúncios da rádio sobre produtos financeiros e farmacêuticos, onde as manipulações das rotações aceleram a velocidade da voz. Por não se lhe reconhecer qualquer crédito político, por não existirem ações de formação concretas para o caso, a sua utilidade a 9 de Junho resume-se a vítima de ação de despejo político, como aquela que os madeirenses fizeram à CDU na Madeira. Nem um deputado. Ficamos a aguardar.

Pedro Fidalgo. Para melhor integração deste jovem na sociedade dos crescidos, recomenda-se, e à semelhança de Paupério, ações de formação específica, sendo que a primeira, e em jeito de prólogo, seria saciar-se com um belo naco de carne com batatas fritas antes de tomar assento numa barreira ou contrabarreira. Depois conversamos.

E agora, passada esta vistoria, sugiro o seguinte exercício. Pergunto, em quem confiariam os eleitores dos países mais avançados o seu voto. Agora olhemos para as sondagens. Viu a diferença? Enquanto não resolvermos isto Portugal não avança.