Contemporaneamente, temos sido brindados com a discussão de temas fracturantes, que contrariam todo o personalismo ético característico de um Estado de Direito Democrático do nosso tipo. Afinal, um Estado que consagra na sua lei fundamental, a inviolabilidade da vida humana, como um valor absoluto, não deve discutir a eutanásia. É um paradoxo, e revela um profundo desrespeito pela matriz axiológica do nosso povo. Não esqueçamos, que somos um povo assente, numa cultura que defende a vida, não a morte. Somos um povo, que cuida, não mata. Somos um povo do Sul, de tradição católica-apostólica romana, não um povo do norte de tradição protestante. É por isso, sem dúvida alguma, uma aberração política, aquilo que a Assembleia da República, neste momento está a fazer. Fá-lo, nas costas do povo, e também, desrespeitando a lei fundamental que a regula e lhe impõe limites. Falamos duma dupla ilegitimidade, o que é gravíssimo.

Neste momento, creio que é preciso relembrar algumas ideias fundamentais. A primeira, é de que o Parlamento está para o bem e para o mal, vinculado à sua Constituição, não pode, nem deve por isso tomar decisões contrárias a esta. Em segundo lugar, discutir-se a eutanásia, quando o art.º 24 da CRP, refere a inviolabilidade da vida humana, constitui-se como um ultraje, devendo ser tacitamente declarada a inexistência jurídica deste. Em terceiro lugar, assistir a um órgão de soberania, tomar uma decisão contra constitucionem e contra todos os pareceres das instituições públicas, que representam também o povo português, revela uma tirania parlamentar, e um tribalismo partidário. Em quarto lugar, rejeitar a consulta do povo, revela um medo da sua própria base eleitoral. Nestas circunstâncias, identificam-se um conjunto de aspectos infelizes, que são machadadas na nossa democracia, emanadas da própria casa da democracia. Com efeito, discutir a eutanásia é contra todo o que está implícito na nossa pirâmide axiológica. A ser feito, deve ser com rigor, legalidade e não inconstitucionalidade.

 Acredito por isso, que tendo seguido agora o diploma para Belém, deve o Senhor Presidente da República, requerer a fiscalização preventiva deste, junto do Tribunal Constitucional. Este Tribunal, se for efectivamente o garante da constituição, irá pronunciar-se pela inconstitucionalidade formal do diploma. Caso contrário, acredito que o nosso PR deve exercer o veto político, e endereçar uma mensagem à AR sobre a inconstitucionalidade do diploma. Se a AR, agora com uma maioria agravada aprovar novamente a lei, deve o PR fazendo jus ao seu juramento, fazer cumprir a constituição, e isso, traduz-se em uma de duas hipóteses: ou vetar o diploma novamente, situação, que o levaria a imcumprir o art.º 136 (promulgação e veto) da CRP, mas por outro lado, cumpriria o art.º 24 (direito à vida) e o art.º 122 (posse e juramento); ou, por contraponto, nada fazer, acabando o diploma por nunca entrar em vigor.

Parece-me, que a este respeito a segunda opção, seria a constitucionalmente mais sensata, devendo ser, contudo, endereçada uma mensagem ao presidente da Assembleia da República, alertando para o seu dever primário, em defender a constituição. Esta situação de colocar o diploma na gaveta, não seria a primeira vez na vigência da Constituição, tendo já sido feita pelo Senhor Presidente da República Ramalho Eanes. Contudo, quanto ao mandato presidencial de Eanes devo dizer, que não deve servir de exemplo nesse aspecto, pois nesse caso, não se verificava uma colisão de direitos constitucionalmente consagrados, mas sim em contrapartida, um desrespeito pelo papel do parlamento e pela isenção política do PR. São por isso situações diferentes. Nesse sentido, defendo que excepcionalmente deve o PR contrariar o art.º 136, por forma a garantir o personalismo ético do nosso ordenamento jurídico, ou seja, a inviolabilidade da vida humana. Contrariar esta concepção, é não perceber o sistema em que se está inserido, nem tão pouco perceber os limites deste. Por isso o PR só deve evitar a entrada em vigor desta aberração jurídica.

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