Penso que concordamos, caro leitor e concidadão, que seria compreensível inaugurar o presente artigo da seguinte forma: “No próximo dia 10 de Março de 2024, Portugal enfrentará um momento decisivo na sua história democrática, com a realização das eleições legislativas. Um evento que não é uma mera formalidade política, mas uma oportunidade para os cidadãos portugueses moldarem o futuro do seu país”.
Não deixando de ser verdade, não posso deixar de observar que o alarmismo noticioso, climático, político ou a euforia frenética das constantes publicações e novidades que emanam das redes sociais são maus digestivos para serem servidos no final de uma refeição, dando uma digestão lenta e pesada ao repasto ingerido. Optarei, então, por uma abordagem alternativa e passarei a explicar o que pretendo dizer com isto.
Pergunta-se: Dia 10 de Março será uma data determinante para a história democrática portuguesa?
Sim, uma vez que marcará a forma como seremos governados nos próximos quatro anos.
Pergunta-se: Contudo, será, porém, esta uma data definitiva para a história democrática portuguesa? Não, porque somos uma Nação com História e quem tem História terá, ou fará por ter, a inteligência de “estudar o passado para compreender o presente e assim prever o futuro”, não permitindo o definhar apocalíptico de uma nação de nove séculos num único e fatídico dia.
Num artigo de apelo ao voto para as eleições legislativas, é imperativo, não só falar do panorama atual de abstenção eleitoral, mas também invocar a essência portuguesa: essa alma coletiva forjada ao longo de séculos, refletida na obra de muitos dos nossos ilustres autores.
Quanto à essência portuguesa, Fernando Pessoa, na sua vasta obra, explorou profundamente a identidade portuguesa, oscilando entre a nostalgia de um passado glorioso e a contemplação de um futuro repleto de potencial. Pessoa via Portugal não apenas como um território ou uma nação, mas como uma alma coletiva capaz de grandes feitos, um povo que, apesar das adversidades, nunca deixa de procurar novos mundos.
Observando o fenómeno da abstenção eleitoral – uma das maiores ameaças à vitalidade da democracia portuguesa – podemos identificar um desinteresse ou desilusão dos cidadãos portugueses para com os partidos políticos e seus representantes, mas também um crescente distanciamento entre os cidadãos e as instituições que deveriam servir o seu bem-estar. Contudo, gostaria de colocar a hipótese de a perceção popular do Estado enquanto um leviatã distante, e não como uma expressão da nossa vontade coletiva, contribuir também para a desconexão entre o povo e o seu papel enquanto arquiteto do destino nacional.
Grandes pensadores da história, como Rousseau e Locke, refletiram intensamente sobre o papel do Estado e a soberania do povo. Rousseau argumenta que a participação direta e ativa dos cidadãos na política é essencial para que a vontade geral seja refletida nas decisões do Estado. Locke, por sua vez, via o governo como um contrato entre governantes e governados, onde o papel principal do Estado é a preservação dos direitos à vida, liberdade e propriedade dos cidadãos, sendo assim, a participação eleitoral o meio fundamental através do qual os cidadãos exercem esse direito de supervisão e renovação do contrato social.
É assim crucial que nos relembremos de que, em cada eleição, não escolhemos somente os nossos representantes, mas reafirmamos a nossa confiança na democracia e no poder da participação cívica. Relembrar as palavras de Pessoa é recordar que cada um de nós carrega a responsabilidade de contribuir para a construção de um futuro que esteja à altura da matéria de que somos feitos. E recordar aqueles filósofos, é tornar vivo, o facto de que o Estado somos nós, o povo, e é através do nosso voto que podemos assegurar que este, como entidade reguladora, reflete a nossa vontade, protege os nossos interesses e necessidades, e acima de tudo, serve ao bem comum. Votar é, portanto, não apenas um direito, mas um ato de responsabilidade cívica e de esperança no futuro.
Citando o poeta, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Este verso, embora possa parecer distante ao contexto político, é profundamente relevante quando falamos de participação eleitoral. Não deixar que a nossa “alma” coletiva se apequene diante dos desafios da política moderna é fundamental. Não nos esqueçamos que quando escolhemos não participar, estamos a permitir que decisões cruciais sobre o futuro do país, sobre o nosso futuro, sejam tomadas sem a nossa voz e consentimento.
Que o espírito inquieto e visionário que Pessoa viu no povo português nos inspire a todos a participar no próximo dia 10 de Março, exercendo ativamente, ainda que nem sempre com total convicção no atual produto político português, mas sim no processo democrático em si mesmo, o nosso direito e dever ao voto. Que possamos, juntos, provar que a nossa alma não é pequena e que estamos prontos para enfrentar os desafios do futuro, honrando o legado dos que nos precederam e pavimentando o caminho para as gerações que virão.
Votar é, pois, um ato de fé no Portugal de hoje e de amanhã, uma demonstração de que acreditamos no poder da nossa voz e na capacidade de sonhar e realizar que define a nossa essência como povo.
O Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.