Muita gente, em geral apreciadora do PS, acha ridículo que nos preocupemos com os CTT em vez de nos ocuparmos com aquilo que, cito oitocentos e trinta utilizadores do Twitter, “verdadeiramente importa aos portugueses”. Vamos por partes.
Em primeiro lugar, a generalização é abusiva. Eu, pelo menos, não me preocupo nada com os CTT, que identifico com lojas melancólicas que vendem livros esquisitos. Como vivo no século XXI e não em 1972, não envio cartas nem as recebo. O que recebo, por regra sem problemas, são compras feitas na internet e depois deixadas em minha casa por uma das inúmeras empresas do ramo. Desde que o produto corresponda ao que adquiri e chegue inteiro e a tempo, o que de resto costuma acontecer, é-me indiferente que venha pelos CTT ou por qualquer das concorrentes. Sei que parece doentio mas, quando vou ao restaurante, ligo mais a que as sardinhas estejam saborosas do que ao registo comercial do barco que as pescou e ao currículo detalhado do sujeito que as assou.
Em segundo lugar, quem pelos vistos se preocupa imenso com os CTT é o PS. Foi um governo do PS a determinar a respectiva privatização (no PEC para 2010) e foi um ministro das Finanças do PS a assiná-la (no “memorando” da Troika em 2011). Foi outro governo do PS que tentou renacionalizar um pedaço dos CTT à socapa em 2020 ou 2021, para agradar aos partidos comunistas com que se aliara ou por ímpeto estatista próprio. E foi um ex-ministro das Comunicações do PS que, em finais de 2023, fingiu que o assunto não lhe dizia respeito para de seguida, no início de 2024, se lembrar que afinal sabia de tudo e, principalmente, concordava com tudo – excepto, presume-se, com a privatização, que considerou “desastrosa” a ponto de a imputar ao PSD.
Em terceiro lugar, o dr. Pedro Nuno não se limita a desejar moderadamente que os CTT regressem à influência do PS, perdão, do Estado: a julgar pela conferência de quinta-feira, o homem encontra-se convencido de que a existência de Portugal enquanto nação soberana depende disso. Para ele, a privatização de um anacronismo “lesou profundamente o interesse nacional”, que este génio das negociatas, digo, dos negócios confunde com “nacionalizado”. É natural que o génio que conseguiu espatifar quatro mil milhões do nosso dinheiro na TAP não se entusiasme com uma transacção que, ao invés de perder, rendeu 900 milhões. As suas intervenções na TAP e na CP provaram que a motivação do dr. Pedro Nuno nunca é económica, e sim simbólica. O dr. Pedro Nuno sente-se genuína e compreensivelmente repugnado sempre que um caixote da Amazon é entregue ao destinatário por uma empresa privada, dedicada ao feio lucro e não, conforme devia ser, ao prejuízo. Uma encomenda da Ali Express manuseada por um funcionário que não seja público representa uma facada na memória de D. Afonso Henriques ou, pior ainda, na de Lenine. Aliás, o dr. Pedro Nuno não despreza a hipótese de, alcançado o poder, nacionalizar a Amazon e a Ali Express a título de companhias-bandeira.
Em quarto lugar, o que move o dr. Pedro Nuno é, nos CTT e no resto, o “serviço público de qualidade”, por acaso um pleonasmo na cabeça de um marxista, desculpem, de um patriota: ou o serviço é público ou não é de qualidade. Só os domínios nas mãos do PS, quero dizer, do Estado é que são, por natureza e desígnio, capazes. O exemplo óbvio é o da saúde, onde a organização e a eficácia do SNS são o farol que ilumina as salas de espera de urgências que, se não estiverem fechadas, atendem os pacientes em meras quinze ou dezasseis horas – e de especialidades tão precavidas que permitem a marcação de consultas com dois anos de antecedência, isto se não calhar em data com tolerância de ponto. Porém, a excelência da saúde pública não nos deve distrair da superioridade da educação pública (com apenas 50 mil alunos sem professores e com quase metade de notas positivas nas provas de aferição) ou da magnificência dos transportes públicos (sem greves na maioria dos dias). Para o dr. Pedro Nuno, e bem, o que é nacionalizado é bom.
Por fim, custa-me definir o que “verdadeiramente importa aos portugueses”. Serão os CTT? Duvido. E, a acreditar no relativo sucesso do PS nas sondagens, os portugueses também não se importam com a situação do SNS (fabuloso, recordo), do ensino (sublime, insisto) ou dos transportes colectivos (imaculada, volto a notar). Se não estou em erro, os portugueses não estão igualmente importados com a questão da habitação (que o PS resolveu num ápice e com um pacote), o aumento do custo de vida (que o PS compensa com esmolas ocasionais e caridosas), a perda do poder de compra (que apesar da más-línguas o PS manteve acima do da Bulgária) e a subida da carga fiscal (que o PS credivelmente nega). Os portugueses nem sequer se importam com a possibilidade de, após um oportunista sem vergonha, a 10 de Março um irresponsável com alucinações ideológicas subir a primeiro-ministro em parceria entusiástica com as delegações locais de Putin e do Hamas.
Até lá, o irresponsável prosseguirá em campanha triste sob o lema “Portugal Inteiro”, engraçado na medida em que, por causa dele, dos que ele apoiou e dos que o apoiam a ele, o país está em cacos. E, em breve, talvez nem isso. Basta saber ler as cartas, logo que o Estado volte a dá-las.