O ‘National Bureau of Economic Research’ publicou há um par de semanas um estudo sobre a crise de meia idade. As conclusões do estudo são várias e relativamente importantes. Ao que parece, há confirmação de que a crise de meia idade existe (facto que é por vezes contestado nalguns meios), estando associada a fenómenos como perdas de memória, pensamentos suicidas, dificuldades na concentração, tendência para alguns excessos, entre outros.
Nada disto surpreende. O que é realmente surpreendente é o facto de o estudo alertar para o facto de a crise de meia idade ocorrer apesar de ‘as vítimas’ estarem no pico das suas carreiras profissionais, terem estabilidade financeira e residirem em países onde não há problemas de maior, como é o caso, por exemplo, da maioria dos países ocidentais. Quais serão, então, as possíveis causas para uma crise existencial que impacta precisamente aqueles que não têm razão nenhuma para estarem “deprimidos”? O estudo não trata das causas, mas avança possibilidades de discussão interessantes. Há uma que me parece particularmente importante: muitos de nós chegamos à meia idade com uma sensação de falhanço a qual resulta do não cumprimento de projectos com os quais sonhámos no pico da juventude. Tal sensação de falhanço, pese embora a presença na vida de cada um de outros elementos que até poderiam indicar uma ‘vida de sonho’, é algo que não é somente do foro individual, mas também (principalmente, talvez?) do foro social.
Isto significa que aquilo que identificamos como ‘crise de meia idade’ é o resultado de um modo de vida que nós próprios escolhemos enquanto sociedade. Modo de vida esse centrado numa percepção socialmente construída do que constitui uma ‘vida que valeu a pena viver’.
Sucede que aquando da publicação do estudo sobre a crise de ‘meia idade’, outro estudo foi também publicado. Este último, realizado por um painel de médicos, recomenda ao governo federal norte-americano que tome medidas em relação à crise de ansiedade que pelos vistos afecta a população entre os 19 e os 64 anos de idade. Os sintomas de ansiedade são, aparentemente, os mesmos que caracterizam aqueles que atravessam uma crise de ‘meia idade’. O que nos leva a concluir que, aparentemente, a população entre os 19 e os 64 anos de idade, independemente da fase da vida em que está, tem problemas com o sono, entretém pensamentos suicidas, entrega-se aos excessos do álcool, etc. Sucede ainda que ambas as crises, segundo quem as estuda, são também visíveis no aumento exponencial do consumo dos mais variados medicamentos (ansiolíticos, anti-depressivos e afins), aos quais podemos adicionar o aumento do consumo, junto dos adolescentes, de medicamentos para resolver os mais variados (e alegados) problemas, como hiper-actividade e todos os síndromes que, aos olhos de médicos e pais, justificam os maus resultados escolares dos petizes. Por maus resultados entende-se tudo aquilo que não coloque os nossos adolescentes numa posição que lhes permita aceder ao curso de medicina… Isto é: há aqui outra coincidência entre ambos os estudos pois ambos apontam a forma como projectamos a vida no futuro como uma das potenciais causas da crise constante em que aparentemente vivemos entre os 19 e os 64 anos de idade.
Contudo, a verdade é que em ambos os estudos as causas para a alegada crise ‘psiquiátrica’ em que vivemos estão fora do âmbito da análise. Há causas afloradas (como a que refiro acima), mas não devidamente exploradas: resumem-se a pouco mais do que uma frase no meio de relatórios com centenas de páginas. Contudo, quanto às eventuais soluções, os estudos parecem concordar no seguinte: reforço dos meios de diagnóstico, medicação e, como seria de esperar, colocar tudo isto sob a alçada do estado. Teríamos assim um mundo não só deprimido em larga escala, como um mundo em que ao estado é reconhecido o direito e o dever de drogar os cidadãos e (talvez mais preocupante) determinar se os cidadãos (incluindo os menores) estão ‘bem da cabeça’. Não é coincidência que o segundo estudo que acima refiro anteveja um mundo onde as escolas estariam povoadas por psicólogos e demais astrólogos certificados. Também não é coincidência que o papel dos pais, muito menos os seus direitos enquanto pais, estejam também votados ao esquecimento quando toca a resolver aquilo que já é descrito por muitos como ‘outra pandemia’, a qual combateremos, mais uma vez, com ajuda de farmacêuticas e com o estado a determinar o que é melhor para cada um de nós. Ao estado cabe, pelos vistos, o papel de determinar como podemos dormir melhor (os distúrbios de sono são, em ambos os relatórios, tidos como particularmente preocupantes).
Infelizmente, tal como sucedeu no passado recente, a vasta maioria da população vai certamente encarar este tipo de soluções como sendo ‘bem-intencionadas’. Infelizmente, tal como sucedeu no passado recente, a vasta maioria da população não vai compreender que pelo mundo fora os vários agentes do estado há muito tempo chamaram a si a destruição daquilo que é o último reduto de liberdade: a educação dos mais novos. Na Califórnia, por exemplo, o primeiro passo foi sonhar com creches gratuitas (uma tentação sob aparência de bem); o segundo passo foi a iniciativa legislativa mais recente que torna obrigatório colocar as crianças em creches (isto é, proíbe a educação de crianças pelos avós ou por um dos pais que decida ficar em casa). Acerca deste tema (a saúde mental dos petizes) certamente escutaremos frases inspiradoras como ‘Não podemos ceder no que toca às crianças’. Incapazes de ver o que está diante de todos, temo que entreguemos ao estado aquilo que temos de mais precioso, as crianças. Cegos pela astrologia certificada, acreditaremos na ciência que nos diz que os petizes estão deprimidos. Enfeitiçados pelos lacaios do regime, facilmente aprovaremos a iniciativa, já em marcha em Portugal, que pretende reduzir o período de férias escolares. E, mais uma vez, seremos incapazes de perceber o evidente. Os proponentes de tal tipo de iniciativas, tal como os astrólogos que diagnosticam as mais variadas maleitas nos petizes, tal como todos aqueles que clamam por creches gratuitas agora e obrigatórias logo de seguida, têm um único objetivo: retirar às famílias o direito a educarem os seus filhos. A única forma de combater isto é dizer bem alto: as férias escolares estão muito bem (quanto menos tempo os miúdos passarem na escola a ouvir dislates melhor), as creches não devem ser gratuitas (muito menos obrigatórias) e é mentira que os miúdos precisem de medicação para encararem as fases da vida que todos nós antes deles encarámos sem que nunca nos tenham dito que estávamos deprimidos.
Nota editorial: Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.