Portugal tem um dos PIBs per capita mais baixos da União Europeia, apenas ainda à frente da Grécia e de um grupo de cinco países do Leste europeu (Roménia, Letónia, Croácia, Eslováquia e Bulgária). A parte do país que (ainda) se preocupa pareceu chocada com a recente divulgação das previsões de várias instituições europeias, que apontam para que em 2024 um destes cinco países – a Roménia – ultrapasse Portugal em PIB per capita (medido em paridade de poder de compra), nomeadamente porque à entrada do Séc. XXI a Roménia tinha o PIB per capita mais baixo da UE, o qual era na altura – sublinhe-se – menos de metade do português.

Entretanto, muito se tem escrito sobre esta questão. Há os conformistas, que procuram por todos os meios desvalorizar o tema, e há os reformistas, que ambicionam um país melhor e buscam forma(s) de lá chegar. Dos primeiros não rezará a história e por isso – com uma única ascensa excepção mais adiante – não lhes dedicarei o meu tempo. De entre os segundos destaco três na imprensa portuguesa recente: – sobre as dinâmicas de crescimento económico, o excelente artigo de João Graça aqui neste jornal em 11 Dez 2022  – “Portugal e a Roménia” –; sobre o excessivo peso do Estado na economia e da dificuldade em o financiar, a óptima análise de João Miguel Tavares no Público em 1 Dez 2022 – “onde se explica porque é que isto um dia pode acabar mal” –; e, mais recentemente, a entrevista de um dos nossos mais proeminentes banqueiros – António Horta Osório – ao Diário de Notícias, em que afirma que “em dez anos seria possível dobrar o PIB do país”. Poderia referir muitos outros, tais como Nuno Palma e Ricardo Reis, que a partir do Reino Unido têm prestado um excelente serviço ao país em inúmeras plataformas – quer científicas quer sociais – não se cansando de chamar a atenção para a absoluta necessidade de reformas para fazer o país crescer. Todos estes autores têm algo em comum no seu pensamento que merece destaque: – a inequívoca necessidade de o país crescer mais. Aqui a ciência e o bom senso parecem estar em perfeita harmonia de argumentos – é necessário crescer para criar riqueza, a fim de que esta depois possa ser (re)distribuída pela população e restantes agentes económicos. E é deste processo que resulta o bem-estar das populações, que deve ser sempre o principal objectivo de qualquer governo.

Neste ponto a ciência económica tem-nos presenteado com inúmeras demonstrações da correlação entre crescimento económico e bem-estar. Os economistas Geoffrey Bannister e Alexandros Mourmouras, por exemplo, publicaram em 2018 um artigo científico denominado “Welfare Versus GDP: What Makes People Better Off”, em que apresentam um estudo para 151 países onde fica bem demonstrada a relação entre o crescimento económico e o incremento do bem-estar das populações ao longo do tempo. O gráfico abaixo é bem elucidativo desta realidade:

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Este imperativo de crescimento é ainda maior num país como o nosso, em que os níveis de pobreza relativa de mais de um terço da população exigem um modelo social extremamente abrangente e assistencialista; e, por isso mesmo, muito caro. De facto, em Portugal são muitas as áreas do Estado que consomem cada vez mais recursos financeiros – do Serviço Nacional de Saúde à Segurança Social, passando também pela Educação, Defesa e Transportes Públicos. Em todas estas áreas-chave para o bem-estar das populações, se não quisermos baixar o nível de prestação dos respectivos serviços públicos, é preciso mais dinheiro. Ora, esse dinheiro vem do crescimento económico, pelo que é absolutamente necessário crescer mais. Como muito bem refere João Miguel Tavares no artigo acima citado: “Ou arranjamos mais dinheiro ou arranjamo-nos com menos Estado. Como está, não dá. Isto é tão evidente que até dói. Deve ser por isso que tantos preferem não ver.”.

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Demonstrada que está a necessidade de crescer, resta responder a duas questões mais – como crescer e a que ritmo crescer. Sobre a primeira questão a teoria económica proporciona-nos bastantes respostas – de Robert Solow a Paul Romer, são muitos os autores que se dedicaram ao estudo dos determinantes do crescimento. De entre os factores de crescimento referidos pelos vários autores, o progresso tecnológico, o stock de capital e a infraestrutura social são elementos comummente apontados como cruciais potenciadores do crescimento. Sendo Portugal um país essencialmente importador de tecnologia é no stock de capital e na infraestrutura social que importa concentrar atenções.

Quanto ao stock de capital, são conhecidas as limitações do país. Quer ao nível do capital físico quer do capital humano, dispomos hoje de séries de dados históricos suficientemente longas para demonstrar as insuficiências do país a este nível, as quais são responsáveis por boa parte dos problemas de produtividade manifestados pela economia portuguesa. Os gráficos abaixo, retirados de uma publicação conjunta do INE-Banco de Portugal (Séries Longas para a Economia Portuguesa – 2020), e sobre os quais já falei aqui no Observador em “Portugal: a incapacidade de olhar para si próprio”, são bem demonstrativos destes problemas com o crescimento e o stock de capital:

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De facto, é notório o abrandamento do ritmo de crescimento ao longo das últimas décadas, nomeadamente no que se refere aos primeiros 20 anos do Séc. XXI, onde o crescimento médio anual foi de 0,9%, o que compara com valores perto de 5% nos anos 50 e 60 do Séc. XX.

Ora, a aritmética do crescimento[1] diz-nos que um país em que o PIB cresça em média 0,9% ao ano crescerá cerca de 19% em 20 anos. Para duplicarmos o PIB nos primeiros 20 anos do Séc. XX precisaríamos, pois, de ter crescido a uma média de 3,5% ao ano. Poderá parecer muito, nomeadamente para uma geração que já se habituou a ver o país estagnado, mas não o é, de facto. Como é visível no gráfico que apresenta o crescimento do PIB português desde 1950, a taxa média de crescimento do país foi sempre superior àquele valor durante quase toda a segunda metade do Séc. XX. É apenas no Séc. XXI que o nosso ritmo de crescimento abrandou substancialmente, o que deveria preocupar-nos a todos.

De facto, muito países fazem melhor que nós. A Roménia, de que tanto se fala, cresceu nesses 20 anos a uma média anual na ordem dos 9% e por isso multiplicou o PIB por um factor superior a 7, como a figura abaixo ilustra (cálculos aproximados para um período de 22 anos):

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É claro que a figura também mostra que há países que fizeram pior que nós no mesmo período, mas esses são países de rendimento elevado, onde a estagnação tem outro significado. Não é o caso de Portugal, onde estagnar com níveis de rendimento baixo significa condenar-nos a todos a uma certa pobreza relativa a longo prazo.

Quanto à infraestrutura social, trata-se de um factor que – pela sua natureza ampla e difusa – está menos bem documentado, mas não é menos importante como factor de crescimento. Aqui se incluem elementos como as liberdades cívicas e económicas, a qualidade das instituições, a eficiência do sistema de governação, e muitos dos hábitos e costumes culturais que são diferentes consoante as populações dos países em questão. Todos estes factores quando considerados no seu conjunto poderão – ou não – confluir num ambiente favorável ao crescimento. Por se tratar de elementos de natureza essencialmente qualitativa é complexa a medição do seu impacto enquanto factores de crescimento económico. Portugal tem, no entanto, conhecidos problemas a este nível: – basta pensarmos em exemplos como a reduzida participação cívica e eleitoral (a abstenção rondou os 50% nas últimas eleições legislativas), a lentidão da justiça e os problemas na educação (falta de professores e outros) e na saúde (listas de espera e falta de médicos de família), para referir apenas alguns, para se perceber que há um importante caminho a percorrer em Portugal para ganhar uma infraestrutura social mais amiga do crescimento.

Finalmente, há ainda quem considere que o PIB per capita não é o melhor indicador de progresso económico. Este argumento poderá parecer apelativo para quem pretenda desviar as atenções da falta de crescimento económico em Portugal nas últimas duas décadas, mas não é sério fazê-lo. Trata-se de um indicador de riqueza nacional ensinado em todas as faculdades de economia do mundo, o qual, pela sua simplicidade, pode ser calculado para todos os países em qualquer momento e é por isso passível de ser utilizado com rigor em comparações internacionais. E sim, deve ser complementado por outros indicadores, nomeadamente quando se pretende analisar não apenas o crescimento mas também o desenvolvimento económico. Mas como o crescimento é indispensável ao desenvolvimento, não há maneira de ignorar o PIB per capita.

Naturalmente que, como todos os indicadores económicos, o PIB per capita tem virtudes e defeitos. Não pretendo discuti-los aqui. Para o propósito deste artigo basta considerar que o PIB não é um indicador de bem-estar mas sim de criação de riqueza. O problema é que não há uma sem a outra e é por isso que quando olhamos para indicadores de felicidade (que incluem apoios sociais, liberdade de escolha, esperança de vida e outros) para aferir o bem estar social habitualmente não encontramos grandes diferenças. Como muito bem referiu Fernando Alexandre num artigo recente aqui no Observador – “PIB e felicidade: ainda sobre Portugal na cauda da Europa” –, o nosso país surge no World Happiness Report na 25ª posição entre os países da UE, o que é ainda pior do que quando consideramos apenas o PIB per capita (21ª na UE, nesse caso).

Não há pois solução para a estagnação portuguesa a não ser crescer e criar mais rendimento. No caso português acresce ainda a nossa enorme dívida pública a este paradigma da inevitabilidade do crescimento, pois para pagar a dívida é preciso canalizar parte da riqueza produzida para esses pagamentos. Como disse André Abrantes Amaral há pouco aqui no Observador, “Em 2016 a dívida pública portuguesa era de 241 mil milhões de euros e a taxa de juro do BCE de 0%; em Setembro de 2022, a dívida atingiu os 279 mil milhões de euros e o BCE já subiu a taxa para 2%.”. É certo que em contexto inflacionista o valor real da dívida desce, mas é igualmente certo que a inflação vai passar e a dívida vai ficar. É bom não esquecer que Portugal tem hoje a 3ª maior dívida pública da UE e que sem crescimento e criação de riqueza não há como pagar a dívida. A dívida pública é hoje para Portugal a maior restrição às políticas económicas, uma vez que desvia recursos que – de outra forma – poderiam ser direcionados para as (muitas) aplicações alternativas existentes e necessárias num país avesso a reformas desde 2015. E sem reformas na saúde, educação, justiça e segurança social – para referir apenas o essencial – os portugueses continuarão a desesperar por consultas médicas, os profissionais qualificados continuarão a escassear, a justiça continuará lenta e burocrática e a segurança social continuará em pré-falência enquanto o governo vai utilizando paliativos como o aumento da idade da reforma e a redução do valor das mesmas num país cada vez mais envelhecido e em que, por definição, com cada vez mais gente a beneficiar do sistema e cada vez menos gente a contribuir para ele a sua implosão é uma inevitabilidade a prazo.

Por tudo isto e muito mais, convido os arautos da suposta “obsessão com o PIB” – como o inenarrável Ascenso Simões – a sentarem-se por umas horas nos bancos de uma das (muitas) boas universidades de economia deste país antes de voltarem a ceder aos ímpetos primários da desvalorização do PIB enquanto indicador fundamental de riqueza nacional. Como se não fosse preciso criar valor para ter valor. Como se fosse possível distribuir riqueza sem a criar primeiro. Como se fosse possível …, …, bem, o leitor – desde que não se chame Ascenso Simões – já percebeu a ideia …

Na verdade, os países prósperos incentivam a criação de riqueza em vez de subsidiar a pobreza. E eu sou dos que gostariam de viver num país que tivesse por objectivo erradicar a pobreza em vez de a subsidiar. Ora, o crescimento económico proporciona isso e não só. Proporciona também uma sociedade mais livre – porque menos dependente do Estado – e favorece as contas públicas (a receita aumenta proporcionalmente à subida do rendimento, ao mesmo tempo que as despesas sociais descem porque há menos pobres), o que permite aos governos fazer escolhas mais amplas no âmbito das políticas públicas, nomeadamente direcionando mais recursos financeiros para políticas estruturantes e promotoras do progresso económico e social no longo prazo. Como diz um conhecido provérbio chinês, ajuda-se mais um pobre ensinando-o a pescar do que oferecendo-lhe peixe; a não ser que a nossa intenção seja não tanto ajudar o pobre mas sim mantê-lo dependente do nosso peixe…

O autor deste texto escreve segundo a antiga ortografia. 

[1] (100 + i)n = N, sendo i a taxa de crescimento média anual do PIB no período (em percentagem) n e N o crescimento acumulado do PIB ao fim de n anos.