A queda no ranking europeu do PIB per capita continua a gerar debate na sociedade portuguesa. É bom sinal. Significa que continuamos preocupados com o desempenho da nossa economia e com os níveis de bem-estar na nossa sociedade. O mau desempenho da economia portuguesa pode ser ilustrado, quer pelo nível do PIB per capita, quer pelo afastamento em relação à média da União Europeia. Num país com um nível de rendimento intermédio como Portugal, com um PIB per capita que em 2021 correspondia a 74% do da UE, desvalorizar a importância do PIB como fez o deputado do Partido Socialista Ascenso Simões é desvalorizar as graves desigualdades socais, flagelos como a pobreza infantil e a quase ausência de mobilidade social.

Podemos ter diferentes visões sobre as causas da estagnação da economia portuguesa. Umas terão origem em decisões erradas de política económica. Outras terão origem externa. Mas a solução para os mais graves problemas sociais que nos assolam dependerá sempre de conseguirmos alcançar níveis de rendimento mais elevados. E nós, pertencendo a uma das mais ricas regiões do planeta, teremos sempre responsabilidade pelos resultados alcançados.

O desenvolvimento dos países não pode ser exclusivamente avaliado pelo PIB per capita porque essa medida tem limitações. Por essa razão, os economistas têm procurado outras medidas para aferir os índices de bem-estar ou de felicidade das sociedades. Um dos projetos mais interessantes é o World Happiness Report. Para além do PIB per capita, este índice de felicidade tem em conta dimensões como o apoio social, a generosidade, a liberdade para escolher, a expectativa de vida saudável e a perceção de corrupção. Na UE, Portugal surge na 25ª posição. Ou seja, quando consideramos outras dimensões de bem-estar, Portugal aparece numa posição ainda pior do que quando consideramos apenas o PIB per capita (21ª na UE, nesse caso). Por sua vez, a Roménia, que tem um PIB per capita, em paridade de poder de compra semelhante ao português, no índice de felicidade, surge na 13ª posição na UE.

Na semana passada mostrei aqui a enorme redução da desigualdade de rendimento na UE nos últimos 20 anos. Este é um resultado que deve ser celebrado por todos os europeístas. De facto, os dados da evolução do PIB per capita, controlados para o poder de compra, mostram uma forte convergência dos países mais pobres para os níveis de rendimento dos países mais ricos. Em 2000, os 11 países mais pobres da UE, com a Roménia na última posição, tinham em comum terem vivido durante décadas debaixo do jugo soviético ou da ditadura socialista de Tito.  Este resultado é mais um exemplo do falhanço dos regimes comunistas na criação de riqueza. Aqueles países, tendo aderido à economia de mercado e uma vez integrados no grande espaço de liberdade económica da UE, conseguiram aproveitar o seu potencial de criação de riqueza e convergir para os níveis de rendimento da UE. O sucesso económico destes países foi alcançado em regimes políticos muito diversos, incluindo na ‘democracia iliberal’ da Hungria, onde há violações gravíssimas da liberdade política e elevados índices de corrupção. Neste, e noutros casos, as instituições políticas têm graves falhas, não sendo um modelo a seguir.

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Um segundo facto a destacar na evolução do PIB per capita na UE nas duas últimas décadas é o mau desempenho das economias do Sul da Europa. Com a exceção de Malta, entre 2000 e 2021, todos os países do Sul da Europa diminuíram o seu PIB per capita em relação ao da UE. Cada país tem a sua própria história de empobrecimento relativo dentro da UE. Sobre o infeliz desempenho de cada um deles há muito livros e artigos científicos.

A França continua a perder a sua ‘grandeza’ e o epíteto de ‘União Soviética que funciona’ parece fazer cada vez menos sentido. Não porque o peso do Estado tenha diminuído, mas porque funciona cada vez pior. Em 2021, o PIB per capita da França era praticamente equivalente ao da UE (104%). No caso da Itália, que teve a maior queda nas duas últimas décadas (de 122% para 95% do PIB per capita da UE), há literatura suficiente para construir uma biblioteca sobre as causas do seu declínio económico. Como a história dos problemas económicos de Itália é antiga, na letra L poderíamos consultar O Leopardo de Lampedusa. Os problemas da Grécia, que hoje ocupa a penúltima posição do ranking, com apenas 65% do PIB per capita da UE, foram sobejamente glosados aquando da crise da dívida, em 2010. Da corrupção, à falsificação das estatísticas, passando por uma economia paralela à vista de todos. Também no caso de Espanha a crise da dívida pôs a nu muitas das suas debilidades, com destaque para a corrupção, que terá contribuído para a reconfiguração do sistema político, grandes dificuldades em garantir a estabilidade política e a coesão das regiões. Entre 2000 e 2021, a Espanha caiu da 12ª para a 17ª posição em termos de PIB per capita.

Em relação à estagnação ou declínio da economia portuguesa, eu próprio tenho dado um contributo para identificar as suas causas – ver, por exemplo, A Economia Portuguesa na União Europeia: 1986-2014, Crise e Castigo e o Dia Seguinte ou Do made in ao created in: um novo paradigma para a economia portuguesa. De entre as causas da nossa estagnação, destaco a incapacidade de perceber as mudanças na UE e de definir políticas adequadas ao novo contexto. Uma das dimensões mais significativas desse falhanço foi precisamente no ajustamento da política orçamental às exigências do euro (que levou à violação do Pacto de Estabilidade e Crescimento e à crise da dívida). Outra, foi a incapacidade de definir e implementar reformas estruturais para reforçar a competitividade das nossas exportações. Estas reformas teriam sido ainda mais importantes no contexto da adesão à UE dos países do Centro e do Leste Europeu. Não percebemos as consequências desse alargamento da UE para a competitividade da economia portuguesa.

Apesar de todas aquelas e outras falhas nas políticas económicas, não podemos ignorar o impacto do mau desempenho dos países do Sul da Europa na economia portuguesa: a Espanha e a França (a par da Alemanha) são os nossos dois principais parceiros comerciais. O seu mau desempenho penalizou o nosso crescimento económico. Identificar este facto é relevante para percebermos as condições de competitividade da nossa economia e para definimos as políticas que podem colocar novamente Portugal numa rota de crescimento sustentado e de convergência para os níveis de rendimento da UE.