A história de Taiwan (ou da ilha Formosa) é um bom exemplo da complexidade da história das relações internacionais e de como um conjunto de circunstâncias cria um problema praticamente impossível de resolver. Atualmente, o que estamos a assistir é a um conflito em que o status quo serve não só as duas maiores potencias envolvidas, EUA e China, mas também os outros países que se encontram na região. Hoje, a China tem como política oficial a reunificação de Taiwan, uma região que considera uma província, justificando com a história da ilha, que sempre fez parte dos domínios do antigo Império Chinês.
Essa posição existe desde a vitória dos comunistas liderados por Mao Zedong no final da década de 40, mas foi só recentemente reforçada. Mais especificamente em 2005, com a lei Anti-Secessão, que admite uma intervenção armada por parte da China em caso de declaração formal de independência por parte de Taiwan. O atual presidente Chinês Xi Jinping tem reforçado essa posição. Mas se mais intensamente que os seus antecessores, é já bastante questionável. É uma questão de estilo e de comunicação, poderá dizer-se. Podemos sim considerar que este é mais um ponto de alta tensão, sendo que o último foi em 1996, altura da primeira eleição presidencial direta na ilha, em que a China realizou exercícios militares e disparou mísseis em redor do território de Taiwan.
Xi Jinping tem duas arenas completamente diferentes para direcionar o seu discurso, a política interna, onde deve manter uma posição de confronto e inflexibilidade acerca da reunificação de Taiwan, e um discurso externo, onde tem de ter em conta vários fatores, nomeadamente, a sua relação com os EUA, o seu principal parceiro económico, e, em segunda medida, a estabilidade na região da Ásia-Pacífico. Relativamente à política interna, Xi Jinping tem primado por uma postura mais nacionalista, mais tradicionalista do seu partido, sendo que não poderá perder a face relativamente ao seu objetivo proposto de conseguir Taiwan de volta para o controlo do continente. É um ponto de legitimação imprescindível tanto para o Partido Comunista Chinês (PCC), como para a sua própria liderança junto dos altos cargos oficiais e do próprio povo chinês. A sua comunicação interna não tem necessariamente de estar ligada totalmente com a realidade, que é o que se passa fora da China. Nesse sentido, a China tem de pesar bem a relação que tem com os EUA e a relação destes com Taiwan.
Depois da invasão da Ucrânia, por parte da Rússia, houve quem fizesse a correlação com a situação de Taiwan, considerando até que aquela seria um teste para a China poder avaliar a reação do Ocidente relativamente a um conflito deste tipo. Existem no entanto diferenças importantes que vale a pena notar. A primeira é que não existe qualquer acordo ou associação militar entre Ucrânia e os EUA (nem a NATO). Não existe também o histórico de intervenção americana naquela região, nem os laços importantes que os americanos têm atualmente na Ásia. O importante nesta matéria é a Lei de Relações de Taiwan, onde algum do conteúdo do Tratado Sino-Americano de Defesa Mútua sobrevive, o que poderá significar a assistência militar direta ou indireta em caso de uma ameaça à ilha, como, por exemplo, uma invasão. As forças americanas estacionadas naquela região (particularmente Coreia do Sul e Japão), que são consequências da 2ª Guerra Mundial e Guerra da Coreia, também criam um elemento diferenciador e persuasor relativamente a um possível conflito.
Mas mais que a questão militar é a relação económica bastante estreita entre China e EUA que mais conta nesta situação. Não existe interesse algum num conflito, que poderia abalar de uma forma extrema as suas economias, criar tumultos internos e consequentemente desestabilizar as respetivas lideranças. Um dos aspetos de legitimação do PCC é o crescimento e a prosperidade socioeconómica, e um conflito deste tipo poderia arriscar de forma permanente esse fator. Numa segunda medida, são as relações atribuladas da China com alguns dos seus vizinhos que tornam o status quo apetecível, nomeadamente a sua relação com o Japão, Coreia do Sul, países do sudeste asiático e Austrália. O apoio das potencias regionais à China num potencial conflito seria inexistente, e isso dificulta a operação tanto em termos logísticos como militares.
Por outro lado, em termos geopolíticos será impensável a China conceder a independência a Taiwan, pois constitui um ponto de projeção de poder que a China não se pode dar ao luxo de perder. Olhando para a geografia da China, podemos observar que existem dificuldades de saída tanto no Mar do Sul da China (conflitos territoriais com países do sudeste asiático), como no Mar do Japão (um país pouco amistoso com os chineses), e no próprio continente, com terrenos agrestes, considerando as cadeias montanhosas dos Himalaias, o Deserto de Gobi e o gelo da Sibéria. Taiwan é assim essencial para manter uma posição segura de saída, que é importante para uma potencia internacional.
Esquecendo agora a complexidade da relação China-EUA na questão de Taiwan, é importante também perceber o que pensam os taiwaneses. Aqui a questão é igualmente problemática. De acordo com as estatísticas dos últimos anos, em Taiwan existe uma alternância de favoritos entre manter o status quo ou declarar alguma forma de independência. O status quo ou o adiamento da decisão tem sido apontado como o favorito, algo que parece ser a consequência do medo de um possível conflito. Isso pode ser provado com o facto de a opção da reunificação com a China ser a opção menos considerada. O que isto tudo demonstra é um sentimento de diferenciação dos taiwaneses em relação aos chineses do continente, devido a diferentes caminhos que foram tomados há décadas atrás, relativamente ao modelo de sociedade que pretendem para as suas nações. Ao mesmo tempo, é percetível o receio que têm de um possível conflito com um poder muito maior que o deles. Esse medo faz com que o status quo seja a opção mais segura. É precisamente esse o espírito de todos os restantes envolvidos nesta questão, o status quo é mais seguro, barato e previsível. É mesmo por isso que, por mais tensões que venham a acontecer, é muito improvável que a questão de Taiwan mude nas próximas décadas. A visita de Nancy Pelosi a Taiwan foi apenas a mais recente prova de como esta dinâmica está para durar.